O lado pop do Irã

Desde a década de 1980, quando a guerra com o Iraque e o escândalo Irã-Contras eram assuntos dos quais não se podia escapar, o mundo tem olhos atentos para o Irã. Mas a verdade é que, fora as questões atuais relacionadas às rusgas de seu polêmico presidente, Mahmoud Ahmadinejad, com os Estados Unidos e Israel, o lado ocidental do globo pouco sabe sobre os irmãos da antiga Pérsia, especialmente ao que diz respeito ao universo das artes. Certo é que o cinema iraniano ganhou projeção internacional, por meio das obras de Abbas Kiarostami e Jafar Panahi, mas a produção artística do país é ainda maior. É o que revela a mostra Pulso Iraniano, composta por fotos, vídeos e poesia. Com curadoria de Marc Pottier, a exposição chega a São Paulo laureada pelo sucesso que marcou sua passagem por Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Pottier diz que a ideia surgiu durante o período que morou em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Mas é fruto, principalmente, do espanto provocado pela descoberta de uma usina criativa, localizada em um celeiro improvável ou ignorado pelo restante do mundo. “Confesso que foi um choque, para mim, porque nunca imaginei que pudessem existir galerias de arte contemporânea em Teerã.”

Pautada pela diversidade temática e composta por obras inéditas da arte contemporânea, a exposição é dividida em tópicos, como A Guerra, As Tradições, A Mulher, A Poesia e O Espírito de Celebração. Entre os nomes mais conhecidos está o da fotógrafa Shadi Ghadirian, que também ajudou na seleção de obras e artistas, dando continuidade ao trabalho que vem realizando em seu site (FanoosPhoto). Apesar do enfoque à nova safra, a mostra traz também obras de nomes consagrados, caso de Bahman Jalali (1944-2010), considerado o maior fotógrafo do Irã. Dono de uma carreira que remete aos anos 1960, quando ainda era estudante de Economia, Jalali dedicou-se a observar seu país e descrevê-lo nos contextos social, geográfico, antropológico e político. É homenageado em uma sessão dedicada à sua obra, composta por 20 fotos selecionadas por Rana Javadi, viúva do artista.

Há também outros expoentes entre os 56 artistas expostos, como o próprio Kiarostami e Shirin Neshat, artista plástica cuja estreia na direção cinematográfica, com Mulheres sem Homens, conquistou o Leão de Prata no Festival de Veneza de 2010. Mas é no sangue novo que as veias expostas da arte moderna iraniana deixam circular seu jorro criativo.

Em um ambiente no qual as artes visuais têm pouca ou nenhuma assistência do Estado, cooperação e improviso são essenciais. É o caso de Amirali Ghasemi, que vive em Teerã e transformou a própria garagem em sala de exposição para os artistas locais. Ghasemi participa da mostra com uma seleção de vídeos e sua garagem/galeria pode ser visitada no site garagegallery.com.

Os organizadores esperam que a mostra não seja vista como puramente política. Não que o tema tenha sido evitado, mas  o centro das atenções é a arte. “Os artistas que encontrei, quando consideram a situação política, estão trabalhando de maneira metafórica. Além do mais, o Irã não tem o privilégio exclusivo de falta de liberdade”, diz Pottier. No entanto, é difícil fugir do tema, ainda que o governo iraniano tente passar uma imagem de moderação em relação aos anos que se seguiram à Revolução Islâmica. A prisão do premiado cineasta Jafar Panahi em 2010, impedido de comparecer ao Festival de Veneza daquele ano, mostra o quanto o desrespeito à livre manifestação faz parte do cotidiano dos iranianos.

Parte importante da cultura iraniana, a poesia funciona como um fio condutor para os visitantes, representada nas traduções de poetas que são exibidas nas paredes. Os versos escritos pelo poeta Hafez (século 16), cuja obra Divan é mais vendida que o próprio Alcorão, é um dos destaques. Elo entre a tradição e a modernidade, a poesia aqui ganha mais de um significado e dá à mostra características de um grande poema coletivo, que abre nossos olhos para um país de fertilidade artística e desmitifica antigos conceitos sobre a vida de todo um povo.

BONS TAPETES SÃO OBRIGATORIAMENTE PERSAS
Também em São Paulo, acontece a mostra Artistas da Tapeçaria Moderna, que reúne três importantes nomes das artes plásticas: o baiano Genaro de Carvalho (1926-1971); o francês Jacques Douchez, que se mudou para o Brasil em 1947 e morreu no último 30 de julho; e Jean Gillon (1919-2007), nascido na Romênia e naturalizado brasileiro. Da extensa produção desses artistas, a curadora Alejandra Muñoz (arquiteta e professora de História da Escola de Belas Artes da Bahia) selecionou as tapeçarias planas produzidas entre os anos 1950 e 70, acompanhadas de cartões-modelo, estudos e desenhos. A exposição traz ainda documentos e vídeos dos três artistas. A mostra comemora os dez anos de atividade da Galeria Passado Composto.


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