Três décadas de som

Foto Hélio Campos Mello

Em 1978, com a chegada de sua primeira filha, Carolina, Luiz Calanca decidiu vender alguns raros LP’s de sua coleção para engordar o orçamento. Aos 24 anos, cansado da rotina de farmacêutico, estava ansioso por uma guinada profissional. Dias depois, ao saber que o comprador revendeu seus discos com lucro considerável, decidiu transformar a paixão musical em negócio e idealizou a Baratos Afins, fundada naquele mesmo ano. Um clássico da Galeria do Rock, na região central de São Paulo, a loja informa ouvintes atentos às novidades e celebra três décadas de atuação como selo independente.

Desde 1982 (quando lançou o álbum Singin’ Alone, com a intenção de ajudar o amigo e ex-líder dos Mutantes, Arnaldo Baptista), entre títulos em vinil e CD, Calanca lançou e reeditou mais de 170 obras. O pequeno selo independente criado por ele teve papel fundamental para a cena paulistana de rock dos anos 1980 e serviu de vitrine para um sem-número de novas bandas – as mais célebres: Mercenárias, Fellini, Ratos de Porão, Golpe de Estado, Gueto, Voluntários da Pátria e Akira S & As Garotas que Erraram. Entre títulos fora de catálogo, resgatados pela Baratos Afins, alguns clássicos da nossa música: Beleléu, LeLéu, Eu, de Itamar Assumpção & Isca de Polícia; os quatro primeiros álbuns dos Mutantes; Para Iluminar a Cidade, de Jorge Mautner; e o álbum homônimo de Tom Zé, de 1972 (também conhecido como Se o Caso É Chorar). Lanny Gordin, guitarrista célebre por suas participações em discos de Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso, enfrentou um hiato de quase 20 anos, em decorrência de uma esquizofrenia deflagrada por experiências lisérgicas, mas também teve a carreira reconstruída com o apoio de Calanca que, em 2001, registrou o primeiro (e homônimo) álbum solo do guitar hero tropicalista.

Provocador, nos primeiros dias de galeria, quando a febre da disco music era onipresente, Calanca enfileirou, como “tapete” de boas-vindas para seus clientes, uma série de capas de LP’s de Donna Summer. No começo dos anos 1990, na contramão dos deslumbrados com a tecnologia digital, ele desprezava o fascínio pelos CD’s (hoje, quase obsoletos) e chegou a comprar um apartamento para estocar milhares de LP’s e compactos – muitas vezes trocados na base do “quatro por um” por CD’s novos. Pagou o apartamento vendendo discos e continua faturando com os bolachões. Em busca de títulos raros, estrelas da música internacional passaram pela Baratos Afins, como o ex-líder do Nirvana, Kurt Cobain, que veio ao Brasil em 1993. Fã de Arnaldo Baptista, a ponto de exigir um encontro com o ídolo, Cobain não perdeu a chance de garantir sua coleção de LP’s dos Mutantes.

Roqueiro incorrigível, ignorando a queda livre das vendas de obras em formato físico, Calanca continua a apostar em novos talentos. Fala com entusiasmo dos alagoanos do Messias Elétrico (que acabaram de lançar um CD homônimo pela Baratos Afins) e tem duas novas apostas: os álbuns de estreia (com lançamento previsto para outubro) das bandas paulistanas Cosmo Shock, de forte acento psicodélico, e Fábrica de Animais, combo de blues-rock liderado pela atriz Fernanda D’Umbra. A celebração dos 30 anos será em alto e bom som.


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