Iguais tão diferentes

Serjão e Paulinho poderiam ter formado uma afinada dupla sertaneja, as clássicas figuras do grandão e do baixinho, primeira e segunda voz, mas será difícil imaginar dois jornalistas com o mesmo tamanho de talento humanamente tão diferentes na forma de encarar a vida. Os dois sempre foram muito magros, aparentavam fragilidade física – e, no entanto, não era aconselhável desafiá-los a mudar em um milímetro as suas convicções sobre o que é bom jornalismo, a obsessão de ambos.

Não tinham medo de cara feia de patrões, chefes, colegas ou militares. Talvez por isso vivessem ultimamente tão longe das grandes redações. Um, o grandão, se cuidava, não bebia e tinha parado de fumar, seguia uma rigorosa dieta e parecia um monge na forma asséptica de encarar o ofício; o outro, o baixinho, tratou de curtir todas as coisas boas da vida, em especial as que fazem mal à saúde, com tudo a que tinha direito, dando uma banana para os médicos e desafiando a cada dia os limites de seu corpo.
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Iguais tão diferentes, no gênio e na forma, defenderam os mesmos ideais e morreram quase com a mesma idade, poucas semanas um do outro, neste ano. Junto com eles, foi-se um dos capítulos mais brilhantes e mais dignos escritos pela imprensa brasileira no século passado.

Serjão, o Sérgio de Souza, era o grandão de hábitos monásticos, pouca fala e muita prudência, sempre com um lápis na mão para melhorar os textos alheios, o solista do bem escrever. Paulinho, o Paulo Patarra, era o baixinho falante e estourado, sempre disposto a encarar uma boa briga, o maestro da redação da revista Realidade, onde a dupla se encontrou nos longínquos anos 1960 pós-golpe.

Por uma dessas ironias da vida, contrariando os dogmas da medicina, Paulinho, morto aos 74 anos em janeiro, ainda viveu um ano a mais do que Serjão, que foi embora aos 73, na última semana de março. Tive o privilégio de ser muito próximo dos dois. Com eles aprendi não só muita coisa do nosso ofício, embora a gente houvesse se cruzado pouco pelas redações da vida, mas principalmente o que é e para que serve ser jornalista num país como o Brasil, os compromissos com o nosso tempo e a nossa gente.

Comunista e ateu militante até o fim, Paulinho Patarra freqüentava com a mulher, Marisa, nossos grupos de oração comandados por Frei Betto, de quem foi compadre e chefe na redação da Realidade. Lembramos muitas histórias do Patarra na última vez em que almocei, no começo de março, com o abstêmio e frugal Serjão de Souza. Traçamos uma bela feijoada e tomamos cerveja na Lana, o restaurante da sua mulher, aonde ele não ia havia anos.

Da sua mesa nos fundos da redação da Caros Amigos, ali pertinho do restaurante, na Vila Madalena, ele só costumava sair para comer. Passava lá o dia inteiro, todo dia, caprichando nos textos e nas pautas, hoje tão maltratados nas nossas redações cheias de pavões e estrelas de teses definitivas. Vou sentir muito a falta do dono daquela mesa e de seu amigo de toda a vida, o Paulinho. Eles gostavam de ser jornalistas, só jornalistas.


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