Lágrimas musicais

Fotos Ivan Moreira

Yamandú Costa atraiu um grande público à praça XV, em São Carlos

Ele é tido como o primeiro gênero musical popular do Brasil, e por sua história passaram músicos e compositores do calibre de Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Paulinho da Viola, Altamiro Carrilho e muitos outros. Criado há mais de 120 anos, o chorinho ganhou em São Carlos, agradável cidade do interior paulista, um festival inteiro em sua celebração. Em 2012, o Chorando Sem Parar chegou à sua 9ª edição, e mais uma vez a população da cidade lotou a praça XV para acompanhar músicos e conjuntos dedicados ao estilo que está enraizado na tradição cultural brasileira.

A ideia surgiu em 2003, quando Fátima Camargo, idealizadora do festival, decidiu convidar músicos de choro do Brasil e do exterior para se apresentarem durante doze horas consecutivas na famosa praça sãocarlense. Alguns anos antes, em 1999, Fátima criara o Contribuinte da Cultura, projeto de fomento que conta com a ajuda da própria população, entre pessoas físicas e jurídicas. Com base em pequenas cotas mensais de incentivo, o projeto visa realizar eventos e atividades culturais de forma gratuita para a cidade.

O que começou como um festival de apenas um dia, hoje se estendeu para cinco, entre workshops, saraus, palestras e, é claro, o dia principal do Chorando Sem Parar, que continua oferecendo doze horas ininterruptas do estilo. “As mudanças mais significativas foram na infraestrutura, porque a proposta, desde a 1ª edição, é fazer o encontro dos maiores instrumentistas brasileiros aqui na nossa cidade, convidando também instrumentistas estrangeiros e alguns músicos da nossa região que possam compartilhar o festival e o palco com esses artistas”, conta Fátima.

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A cada ano, dois músicos são homenageados, um em vida e outro em memória. Neste ano, os flautistas Toninho Carrasqueira – um dos maiores nomes do choro contemporâneo – e Benedito Lacerda – ex-parceiro de Pixinguinha e um dos maiores ícones do estilo – foram os escolhidos pela organização. Entre as atrações desta edição estava a dupla formada pelo sax tenor Mario Sève e pelo flautista David Ganc, músicos que há dez anos se dedicam a estudar e propagar os contrapontos dos choros criados por Benedito e Pixinguinha.

“Foi uma página muito importante para a música brasileira. Foram 34 gravações dos anos 40, além de programas de rádio. Esse dueto é uma situação musical que os músicos têm grande admiração e interessante, e nós tivemos a felicidade de cair dentro dessa pesquisa e registrar em livros e discos o que eles fizeram nessas gravações”, explica Mario Sève, depois de um animado show que arrancou aplausos extasiados da plateia presente na praça XV.

Para seu parceiro, David Ganc, o Chorando Sem Parar – que reuniu público de idades distintas – é a prova de que o chorinho tem encantado cada vez mais a nova geração e consolidado sua importância entre os mais experiente. “O Millôr tem uma frase que diz que ‘de 20 em 20 anos o Brasil se esquece dos últimos 20 anos’, e o choro, que tem mais de 120 anos, passou por muitas montanhas russas, mas a nova geração está interessadíssima. Eles estão estudando a sério, curtindo, e o resultado é esse aí”, completa ele, que faz questão de ressaltar que a infraestrutura do festival é “comparável à de grandes shows de rock’n’roll”.

Outro músico de grande importância na cena contemporânea do choro brasileiro que marcou presença no festival foi o maestro e flautista Paulo Flores, que ao lado do amigo pianista Laercio de Freitas apresentou uma série de músicas de Benedito Lacerda. “Ele levou o samba pro choro, com esse jeito de tocar antecipado, essa articulação. Ele foi um cara fantástico não só como músico, mas também como empresário do próprio trabalho. Ele ganhou dinheiro fazendo música e fez muita gente ganhar dinheiro com a música porque ele era organizado e profissional, além de super competente. É muito bom que aconteça isso, que as pessoas conheçam o Benedito e seu trabalho”, diz ele, que em 2007 organizou e lançou Benê – O Flautista, a primeira de uma série de três caixas que pretendem catalogar e reavivar toda a obra do músico brasileiro.

Entre atrações dos mais diversos locais, como a banda Chorolê, que reúne dois brasileiros e dois israelenses apaixonados pelo choro brasileiro, o Chorando Sem Parar fez o público se emocionar e se divertir ao longo de suas doze horas de duração. Chorinho do Tio Samba, Rodrigo Y Castro Quinteto, Choro na Feira, Toninho Ferraguti e a Orquestra Experimental da UFSCar – organizadora do projeto ao lado do projeto Contribuinte da Cultural – foram outros músicos que passaram pelo palco da praça XV.

O encerramento do festival, como não podia deixar de ser, foi apoteótico. Acompanhado do amigo e consagrado percussionista Naná Vasconcelos, o violonista Yamandú Costa lotou a praça e encantou o público de São Carlos com suas virtuosas interpretações de choros de Villa-Lobos, Ernesto Nazareth e de músicas de sua própria autoria. É a prova de que o tradicional ritmo continua mais vivo do que nunca entre os apreciadores da boa música.


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