O poeta da cidade acocorado no sertão: Francisco Assis de Sousa Lima

Assis Lima é médico, poeta, mestre em Psicologia Social pela USP, cearense, mas há muito tempo em São Paulo, onde aperfeiçoou o ofício de marceneiro/engomador da palavra de um nordeste amalgamado em suas tradições medievais, repaginadas na boca do povo e cuspidas na renda poética do autor.

Assis lida com a palavra na clínica, cobiçando seus minerais imaginários, como todo escutador do mundo e sem fastio, mas não desgarra seu ouvir a poética do sertão, ruminando os filamentos da dor e da alegria:
“… Colhendo o poema e cada palavra
em lâmina e pétala
No afiado gume do tempo…” (Poemas Arcanos)
“Esquecida nas eras
a língua de meus avós
que voz tão minha,
Voz de três línguas…” (Poemas Arcanos)

Pesquisador da cultura popular, ele passeia por grandes autores com deslizar de quem conhece. Autor da obra Conto Popular e Comunidade Narrativa (1985, com prefácio de Antonio Candido), organizou Contos Populares Brasileiros (Ceará, 2003). Também é parceiro (antigo) de Ronaldo C. Brito em trabalhos, como o roteiro/trilha do filme Lua Cambará (1977), a trilogia Festas Brasileiras (Baile do Menino Deus – 2011), O Pavão Misterioso (Cosac Naify, 2003), além de Poemas Arcanos (Ateliê Editorial, 1998), Marco Misterioso (Dobra, 2011) e Chão e Sonho (Dobra, 2011).

Destaco aqui Baile do Menino Deus, que virou peça de teatro e expõe um Natal brasileiro sem Papai Noel, neve ou guirlandas, trazendo a cultura popular nordestina à baila por meio de figuras como Mateus, bumba meu boi, Catirina, caboclinhos, cigana, pastora, além de elementos da cultura afro – tudo conduzido por ações do brincar infantil, que faz puxar o baile.

O cimento da construção poética de Assis Lima é de argamassa milenar do povo, em que ele diz seu lugar, cinze seus olhares de inquietude sobre o mesmo e afina a pontaria:
“… Consultei meus alfarrábios
começando com Cascudo.
Foi como subir na árvore
da origem que há em tudo.
Da árvore tirei a lasca,
Da lasca tirei a casca
Do cascalho o ouro fino.” (Marco Misterioso)

Mas o engomador das palavras tem vários ponteiros e, em que pese o sumo popular lhe encrostar, ele salta (ou dá de garra) para um outro requinte, com os fagotes e flautas que lhe inspira Rilke:
“Na tarde verde da tua lembrança
de onde me vens

Em inviolado silêncio
frágil como a fortaleza do meu grito
Sou espera…” (Poemas Arcanos)
“O tempo me ensinou a ruminar
Eu rumino o bredo dos séculos que comi.
Rumino como velhos feiticeiros
a memória das eras antigas.
Minha memória é feitiço que dobra o tempo que marca o ponteiro do sol,
Que deixa a lua reinar
No sangue moreno da terra…”
(Poemas Arcanos, idem, 2008, p.61)

E fechando:
“Tragado pela noite,
salvou-me a Madrugada.” (Chão e Sonho)


*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária na Anhembi Morumbi, professor colaborador da ECA-USP, Fundação Escola de Sociologia e Política-FESP, além de contista e poeta com livros publicados (paulo@brasileiros.com.br).


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