Fahrenheit 451

Aos 14 anos de idade, li o livro Fahrenheit 451, do escritor americano Ray Bradbury. A obra foi publicada em 1953, um ano antes de eu ter nascido. Achei bem divertido, mas sempre considerei o conteúdo impossível: coisa de ficção científica. Mas recentemente fui lembrado da visão profética do autor por um ensaio no New York Times. Resolvi dar uma passada de olhos no texto. Não consegui largar a história antes do fim.

O velho Bradbury era mesmo encapetado. Ainda nos anos 1950, previu os auriculares transformados em vício. Aquilo que ele chama de “conchas” eram fones de ouvido que viriam a se cravar nas orelhas das pessoas quase como implantes permanentes. A mulher do protagonista acorda e vai dormir com os aparatos incrustados. Uma torrente de informações inúteis e falsas, além de melodias imbecis compõem a trilha sonora da mulher durante as 24 horas. Ao ponto de ela ter aprendido a leitura labial para poder conversar com outros seres humanos sem tirar a geringonça.

Em 1968, quando li Fahrenheit, ainda não existia nem sequer o walkman. No máximo, tínhamos o rádio portátil com um fone de ouvido (um só), que era usado apenas pelos porteiros de prédios. Mesmo eles não mantinham a peça constantemente na orelha. Hoje em dia, pelo menos por aqui em Nova York, é difícil encontrar uma pessoa que não esteja plugada. Já vi várias vezes no metrô pessoas atentas aos lábios de interlocutores na prática da leitura labial. Viraram personagens do livro de Bradbury.

E não se anteciparam apenas aos iPods e iPhones da vida. O autor previu as telas gigantescas de televisão, os programas interativos, a internet, os bancos 24 horas, carros que trafegam sem o auxílio de motorista, entre outras novidades que hoje já estão no mercado.

A história se passa em um mundo distópico, onde a censura impera, o entretenimento cretino substituiu as informações do mundo real. Ou seja: mais uma sacada profética do Bradbury. O personagem principal é um bombeiro, mas ao contrário do que ainda temos hoje – quando esses profissionais se dedicam a apagar labaredas, os do livro se encarregam de tascar fogo em livros. A ordem é queimar tudo o que é impresso, incluindo aí velhas revistas. Atividade essa que me parece cada vez mais próxima de virar realidade. O autor alertava para os efeitos daninhos da televisão e como esta serve para acabar com a literatura. Mal sabia ele que outros meios de comunicação fariam o serviço com maior eficiência.

Eu mesmo li Fahrenheit agora na versão eletrônica em um iPad, o mesmo aparelho que tem como principal conteúdo o estúpido jogo Angry Birds. Até recentemente, era comum encontrar no metrô gente lendo livros, revistas e jornais. Hoje, isso virou coisa rara. Estão todos ouvindo melodias imbecis e fazendo passarinhos enlouquecidos matar porcos. Nem o velho Bradbury foi capaz de antecipar tamanho debacle da civilização.

O escritor morreu em junho deste ano. Portanto, viu grande parte de suas profecias tornarem-se realidade. Deve ter sido um trauma. Afinal, foi ele mesmo quem disse: “Eu não tento prever o futuro. Eu tento impedi-lo”.


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