É inegável que a fotografia, nas últimas décadas, tem crescido como forma de expressão no mercado de arte. Inegável também que esse mercado vem sofrendo transformações e cada vez mais artistas tentam (e querem) ser absorvidos por esse mercado. Como afirma Luciano Trigo, em seu livro A Grande Feira: “O sonho de qualquer jovem artista é ser absorvido pelo sistema, ter conotação internacional, expor nas galerias e museus da moda e aparecer na mídia”. Sim, a arte se assume cada vez mais midiática. Um processo que se iniciou nos anos 1960, mas que, sem dúvida nenhuma, se pontencializou na entrada do novo século.
A fotografia, que em sua essência sempre foi meio de massa, se adapta muito bem a essas questões. O importante é aparecer, não importa de que maneira. Dessa forma, acompanhamos o surgimento nos últimos anos, não de exposições, mas de verdadeiras feiras de arte, onde em simulacros de mercados medievais se oferece de tudo para todos os gostos. Textos discutem o papel da fotografia na contemporaneidade, mas o importante é procurar entender o que estamos produzindo e de que maneira.
Se aparentemente torna-se difícil discernir ou fazer afirmações de qualquer tipo, também estamos diante de uma libertação da visualidade, um momento de passagem e transformação do próprio fazer fotográfico. Como afirma a filósofa francesa Dominique Baqué, uma imagem “não se pretende mais heroica, mas uma imagem que brinca com a banalidade”. E parece que essa se tornou a temática da fotografia contemporânea, o banal, o simples e, muitas vezes, infelizmente, o malfeito. Não mais grandes histórias, mas micro-histórias, não mais uma superação ao que já existiu, mas eternos presentes que se distanciam cada vez mais do conhecimento anterior, revestidos de uma nova lufada de criatividade. Uma sensação de déjà vu. É ainda Dominique Baqué que nos ajuda: “Por isso, fala-se muito em novidade, inovação, quando o que está sendo criado já o foi tempos atrás: riscamos a perda de memória e uma negação histórica”.
Não uma fotografia para ser vista, mas uma fotografia para ser consumida. Uma lógica que há muito saiu do campo estético para se conjugar ao campo mercadológico. Obviamente, essa mudança de rumo altera também a construção de obras. Um movimento mais que necessário para que pudéssemos ressignificar o próprio fazer artístico. Hoje, parece ser difícil encontrarmos fotógrafos, já que a maioria (nem todos, claro) se autodenomina artista. Mas, ao mesmo tempo que avançamos em termos de liberdade de expressão, esteticamente recuamos ao final do século 19, quando a busca era o reconhecimento dentro de um mercado já estabelecido e não a necessária criação de novas possibilidades. E é isso que vemos atualmente: curadores e professores referenciando obras que eles mesmos cultivam, criadores de fogos de artifício. Sempre as mesmas pessoas nos mesmos lugares, um ou dois, no máximo, curadores da moda que nos obrigam a ver sempre as mesmas obras das mesmas pessoas. Trabalhos de dimensões imensas, cores exageradas, fora de foco, construções mentais que estão nas legendas, mas não conseguem ser vistas nas imagens, discursos dissonantes e destoantes que, muitas vezes, se distanciam da própria fotografia.
É bem verdade que nunca se falou tanto sobre fotografia. Sobre isso, a crítica inglesa Charlotte Cotton diz: “Estamos vivendo um momento excepcional para a fotografia, pois hoje o mundo da arte a acolhe como nunca o fez e os fotógrafos consideram as galerias e os livros de arte o espaço natural para expor seu trabalho”.
Claro está, porém, que não podemos ter um discurso pessimista perante uma revolução visual que ainda está procurando criar suas regras – se é que irá criá-las – e se colocar dentro dessa nova possibilidade midiática. Se esse panorama é generalista e analisa de alguma forma a transformação da fotografia nestes últimos anos dentro de um panorama mundial, é claro que a fotografia brasileira também está dentro desse cenário. Reconhecidamente forte e autoral e com ligações profundas com o documental, ela tem aparecido dentro desse teatro de forma cada vez mais madura e incisiva. Faz sua entrada na academia, nos encontros fotográficos onde o mote é a reflexão, que já somam 42 pelo Brasil todo, além dos 16 festivais de fotografia. Paradoxalmente, nos últimos anos também estamos assistindo a um crescimento pelo interesse de fotografias “clássicas”, vintages e um retorno ao documental. A fotografia que procura retornar a uma estética particular, mas sem grandes distinções entre o “puro” e o construído, uma fotografia que se assume ficção, narrativa e portadora de possibilidades interpretativas, mas também uma fotografia que desliza cada vez mais para a tela, para o vídeo, que também cresce como forma imagética e nos coloca novas questões.
As novas tecnologias também fazem parte das mudanças das relações estéticas. Os vídeos feitos pelos fotógrafos também estão em destaque em muitos festivais, exposições e feiras. Uma imagem que se cria e recria a cada momento, misturando a importância tecnológica com a liberdade criativa. Nos últimos cinco anos, debates foram levantados, muitas questões superadas, artistas plásticos se apropriaram da fotografia e fotógrafos quebraram amarras positivistas. O mercado começou a impor condições e nos vender uma possibilidade de estética fotográfica muito mais mercadológica.
Cinco anos que esgotaram muitas dessas argumentações, mas também deixaram muitas questões sem respostas. Talvez mais uma vez seja Dominique Baqué quem nos ajude a pensar e, se é difícil afirmar algo sobre o momento pelo qual a fotografia passa, mais difícil ainda seja prever o que está por vir. “Nos resta determinar seu lugar e levantar duas hipóteses de trabalho: por um lado, podemos pensar que a nova forma de olhar não passa mais pela imagem fotográfica, mas pela tela televisiva, informática ou vídeo – é ela que determina o olhar. A segunda hipótese é que a tela constitui o paradigma do olhar contemporâneo, a fotografia não desaparece, mas podemos interpretá-la como se fosse uma balsa de sentimentos, sensações, de imagens e, por ser uma balsa, a fotografia se torna fluída, leve, circulando por meio do vídeo, de uma instalação, uma performance, atuando como uma corda bamba, sem a qual a arte contemporânea perderia sua flexibilidade e coerência.”
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