Fotos Luiza Sigulem
Em junho de 2010, Tulipa Ruiz deu uma breve entrevista à seção 30 dias da Brasileiros. Havia acabado de lançar seu álbum de estreia, Efêmera, e vivia uma rotina extenuante de ensaios e shows para divulgar suas composições. A conversa não durou mais que 15 minutos. Tempo suficiente para a jovem cantora, de voz singular, falar com entusiasmo de sua geração que, mesmo não pretendendo articular movimentos estéticos, como antes fizeram tropicalistas e outros, era plena de espírito colaborativo e ânsia criativa.
Dois anos depois, um novo encontro. Desta vez, na intimidade da casa de seu pai, o guitarrista Luiz Chagas, integrante do Isca de Polícia (banda do saudoso Itamar Assumpção, ainda em plena atividade) e também jornalista (Chagas colabora para a Brasileiros desde a edição número 2 e assina nossa coluna Discos). Mesmo às voltas com um texto urgente, ele fez questão de mostrar sua nova guitarra slide. Um belo e raro exemplar manufaturado pela Gibson em 1947. O instrumento voltou na bagagem de uma apresentação recente, feita com a filha em Londres.
Nesses 24 meses, Tulipa enfrentou uma maratona de shows. Muitos deles acompanhada do pai. A cantora levou o repertório de Efêmera a Portugal, Dinamarca, Itália, Inglaterra, França, Estados Unidos, Argentina e Colômbia. Viu, surpresa, a canção que dá nome ao disco integrar a trilha sonora do gameFIFA 2011e a balada Só Sei Dançar com Você parar na trilha sonora da novela Cheias de Charme, da TV Globo. Efêmera foi eleito o melhor disco de 2010 pela revista Rolling Stone e o show de Tulipa considerado o melhor do mesmo ano pela Folha de S. Paulo.
Na passagem por Londres, ganhou quatro estrelas e elogios do crítico Robin Denselow, do jornal The Guardian. Ele defendeu que a cantora, graças a suas composições e a imponente presença de palco, tinha todos os ingredientes para se tornar a próxima celebridade musical vinda do Brasil.
De 2010 para cá, muita coisa aconteceu, em ritmo frenético, na vida de Tulipa. Nada mal para alguém que diz ter deixado tudo acontecer naturalmente. Por escolha da mãe, Graziella Ruiz, Tulipa nasceu em Santos. Diz que muitas vezes é chamada de santista em reportagens, mas não ficou lá por mais de 20 dias. Viveu até os três anos no bairro da Vila Mariana, na Zona Sul de São Paulo. Com a separação dos pais, foi parar em São Lourenço, cidade turística do circuito das águas, em Minas Gerais. Apesar da ruptura do convívio diário com Chagas, a “presença” do guitarrista era constante: “ Minha mãe pegou os filhos, o acervo de discos do meu pai e foi parar em São Lourenço. Crescemos longe dele, mas a presença musical do meu pai sempre foi forte. Antes mesmo de colocar a água para ferver e passar um café, minha mãe colocava música na vitrola. Para o dia começar, na minha cabeça, primeiro vinha música”.
Nas férias com o pai em São Paulo, Tulipa lembra que o viu mais de uma vez dividindo palco com o amigo Itamar. “Era muito pequena e tinha um pouco de medo. Denise Assunção fazia o papel da denúncia e entrava berrando no palco. Os discos do Itamar também me davam certo temor. Fui assimilar a força deles, somente na minha adolescência.”
A volta para São Paulo, em 2000, sucedeu um período que Tulipa trabalhava em uma loja de CD’s, em São Lourenço, e estudava canto lírico com a professora Edna Neves, soprano e conceituada pianista da cidade. Tulipa chegou a estudar italiano para melhorar suas interpretações, mas logo optou por uma guinada radical. Considera Edna, até hoje, sua grande influência, mas abandonou as aulas de canto e veio parar na capital.
Na metrópole, ingressou na PUC para estudar e se formar em Comunicação e Multimeios. O interesse por música fez com que conhecesse os primeiros amigos: o compositor Dudu Tsuda e o trompetista Daniel “Gralha” Verano (hoje, no Bixiga 70 e no Projeto Nave). Pouco depois, ela formou com Dudu, o irmão Gustavo e a filha de Itamar, Anelis Assumpção, a banda Tugudugune. Convidada pelo amigo baiano Daniel Mã, integrou depois o Na Roda.
Nos 50 anos de Chagas, em 2002, um show divisor. “Meu pai fez uma festa no Hotel Cambridge e montou uma banda para tocar nela, o Pochete Set. Tocamos músicas dele, de Joni Mitchell, Itamar, Gal, Beatles, Beach Boys. Na sequência, Ronaldo Evangelista (jornalista e curador do projeto), que estava na festa, me convidou para fazer um show só meu, no Cedo e Sentado. Achei que não faria o menor sentido, mas tive a maior dificuldade de falar não.” Sete anos (e uma infinidade de colaborações musicais com os amigos) depois, uma nova apresentação, no Teatro Oficina, com quase todas as composições que formariam seu álbum de estreia, fez com que Tulipa, envolvida em um mestrado de Multimeios na Unicamp, em Campinas, e em projetos educacionais na periferia de São Paulo, abandonasse tudo e apostasse de vez na carreira musical.
Tudo Tanto é o capítulo mais recente dessa trajetória ascendente. O segundo disco de Tulipa foi um dos vencedores da edição 2011 do programa Natura Musical (que desde 2005 patrocinou mais de 170 projetos de álbuns, turnês e festivais ao redor do País) e a cantora também contará com o apoio da empresa na turnê de lançamento.
O álbum foi ouvido em primeira-mão pela reportagem da Brasileiros. Traz 11 composições maduras e concisas (sete delas escritas com Gustavo); alguns potenciais hits, como Script, Dois Cafés (em que Tulipa divide vocais com Lulu Santos, que também toca guitarra slide) e a sublime balada Desinibida; temas instigantes, como Cada Voz (com o São Paulo Underground, grupo paulistano que tem como trompetista o americano Rob Mazurek, do Tortoise), e Víbora (blues impregnado de sussurros do rapper Criolo, e inspirados riffs e solos de guitarra fuzz, de Chagas).
A turnê de lançamento terá início em 30 de agosto no Teatro Castro Alves, em Salvador. Tudo Tanto consolida Tulipa como um dos grandes talentos de sua geração. A “cantautora” (neologismo usado por ela e alguns de seus pares para definir a nova safra de cantores paulistanos que também são compositores) colocará o novo repertório à prova em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belém e Brasília.
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