A explosão do inconsciente

Desde que eu era pequena até muito pouco tempo atrás, ninguém visitava o Oriente. As pessoas só iam para a Europa e América, que eram considerados o “must”!

A Turquia era cafona, jeca, exagerada e, em matéria de moda, a França dominava com seus famosos costureiros sempre à frente de todos. Eram os caras! A França estabeleceu uma moda elegante, sóbria e discreta como sua arquitetura e população. Tudo lindo, perfeito, até conhecer a Turquia, como eu fui. Estive em Istambul e na Capadócia e fui tomada pela beleza extraordinária, com uma paisagem anormal que entra nas nossas veias, com seus  jardins, o céu, o Bósforo, as casas, as igrejas, as mesquitas e o comércio.

Entendi, depois disso, o exagero de tudo o que é feito naquela região. É que a beleza é tão extravagante e extraordinária que toma posse da nossa alma, fazendo-a explodir em uma profundidade que, inconscientemente, ninguém poderia imaginar que fosse possuído por ela, extrapolando-a no consciente que, ainda meio trôpego, tenta reproduzi-la nas joias de pedras brilhantes e enormes, nas roupas bordadas, nos tapetes coloridos, na arquitetura e tudo mais, traduzindo-a em uma cultura que explode de dentro do ser.

Agora, caí na real, que é a do Rio de Janeiro, que continua lindo, com suas praias e montanhas maravilhosas, mas menos ousadas e impactantes que as do Oriente – talvez porque eu não seja um descobridor português ou mesmo um turista gringo de hoje em dia. É muito bom estar aqui também. Uma “real” cheia de escapatórias, como a vista da Baía de Guanabara, o Pão de Açúcar, a Lagoa, tudo o que, felizmente, nos tira das contas acumuladas, das obras na casa, da empregada que some, do dentista e do cotidiano comportado que, felizmente, também nos traz uma surpresa, de vez em quando, como um trabalho agradável e, sobretudo, a convivência com a família maravilhosa entranhada na minha vida como a vista do Bósforo na dos turcos.

Então, penso eu, tudo volta ao normal e vou levar o meu neto de 7 anos em uma dessas casas de festas  para crianças e já não acho normal que o horário delas agora seja de 19 horas às 23 horas, com os parabéns às 22. Gente, mas não eram, à tarde, as festas de crianças?

Bom, deixa pra lá. Foi o mundo que mudou, e eu aqui, em um cotidiano antigo, quando os computadores eram formatados de outro jeito, me fazendo chamar o técnico a toda hora (eu, que fiz curso de computador), confundo tudo nas máquinas atuais! Pensei que os computadores de Istambul fossem loucos e só faltavam mesmo serem escritos em caligrafia árabe. Mas não. O problema é meu, que fico procurando ícones que se transformaram em outros e já não existem mais, como uma Marilyn Monroe, por exemplo, que virou Angelina Jolie.

Mas, voltando à casa de festas que fui levar meu neto, a responsável pelo aniversário pediu, quando ele chegou correndo na porta, o convite que ele tinha nas mãos. Artur entregou, enquanto eu o olhava de longe. A moça perguntou com quem ele estava, e ele disse: “Com a vó”. A moça sorriu e continuou: “E como é o nome dela?”. Ao que Artur respondeu: “Vó”. A moça, paciente, insistiu: “Eu sei que é vó, mas como é o nome dela?”. E ele, então, disse: “Vovó!”. Então, entrei com ele que, imediatamente, sumiu no meio dos brinquedos, deixando-me entregue a uma música enlouquecedora.


*É atriz, atuou em mais de 50 filmes, 15 telenovelas e minisséries, além de peças de teatro. Também é cronista do Jornal do Brasil e autora do livro O Quebra-Cabeças (Imprensa Oficial, 2005), uma compilação de crônicas publicadas pelo jornal.


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