Centro de atendimento de crianças e jovens da Unifesp corre risco de fechar

O Centro de Referência da Infância e Adolescência (CRIA) da Unifesp, que trata de diferentes patologias por meio de uma clínica interdisciplinar com base na psicanálise, salvou-se por pouco de ter suas portas fechadas no fim de 2012 por falta de repasse de verbas da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo (SES). A resistência do Centro foi conquistada por uma grande mobilização institucional e social que acabou por pressionar o governo a realizar o repasse. Apesar disso, os coordenadores do CRIA afirmam que não há garantias de que o Centro permanecerá em atividade nos próximos meses.

Mantido desde 2002 pela SES, o Centro é um braço do Departamento de Psiquiatria da Unifesp e atende bebês, crianças e jovens que vivem situações graves de sofrimento psíquico e com patologias graves como o autismo. Os casos são trabalhados individualmente por meio de uma abordagem multidisciplinar de apoio ao atendimento psicanalítico com profissionais de fisioterapia, fonoaudiologia, musicoterapia, arte terapia e enfermagem. Além de atender ao paciente, a equipe realiza trabalhos complementares com as famílias, com as escolas e centros de lazer, para dar suporte às dificuldades geradas pelas doenças mentais apresentadas pelas crianças.

O trabalho realizado pelo CRIA é reconhecido entre instituições de saúde mental e especialistas na área como referência no atendimento a estes pacientes e como promotor de pesquisa e formação de novos profissionais.

Apesar de todas as referências, a validade do trabalho realizado pelo Centro foi posta em dúvida pela SES que alegou, por meio de um edital enviado no fim do primeiro semestre do ano de 2012, que a terapia psicanalítica é inadequada como método de tratamento das graves patologias como doenças do espectro autista. No edital, a Secretaria apontava para a possibilidade de extinção do CRIA e para a substituição dos serviços prestados por outros que atendessem aos casos pela abordagem cognitivo-comportamental, supostamente mais adequada.

Em resposta à SES, a equipe do renomado Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo publicou uma carta aberta lamentando o possível fechamento do CRIA e lembrando do trabalho bem-sucedido realizado pela entidade e dos resultados de anos de “investimento e trabalho” que seriam perdidos com o fim do Centro. “Preocupa-nos o fato de que o saber e a experiência acumulados durante tantos anos de investimento e pesquisa possam simplesmente ser descartados sem que se leve em conta o já constituído para a criação e ampliação de outros serviços de referência. Preocupa-nos mais ainda que se sectarize o atendimento, tomando como norma a discriminação por patologias, sendo que vivemos, no campo da saúde mental e da educação, uma preocupação constante com os procedimentos que favoreçam a inclusão e o reconhecimento legítimo da convivência com as diferenças, sem que isso signifique a desconsideração por condutas específicas em momentos determinados”, dizia a carta.

O Instituto, que realiza trabalhos e grupos de estudo em conjunto com o CRIA, fez questão de lembrar também que os membros do Centro participaram da criação de um documento que estabeleceu as Diretrizes para a Política de Saúde Mental da Infância e Adolescência no Estado de São Paulo, por iniciativa da Secretaria Estadual da Saúde, o que atesta a qualidade dos profissionais que lá trabalham.

Já o CRIA publicou um comunicado oficial no qual afirma que a não continuidade do trabalho do centro implicaria, além de tudo, em uma perda na qualificação e formação de profissionais da área da saúde ligados à Unifesp. “O fechamento do CRIA representa também uma perda na formação de médicos residentes, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais que lá realizam suas primeiras experiências clinicas com crianças e adolescentes e que aprendem que por detrás de um diagnóstico, de uma patologia, existe um ser humano que sofre. O CRIA, por estar inserido numa Universidade, oferece muitas horas de trabalho de sua equipe na formação de estudantes e outros profissionais da rede por meio de supervisões clínicas, aulas, palestras, seminários e simpósios”, diz a nota.

Mobilização institucional
A afirmação da SES foi prontamente contestada por profissionais e instituições brasileiras da área de saúde mental como o já citado Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo, a Faculdade de Psicologia da PUC- SP, a Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro, a APPOA – Centro Lydia Coriat de Porto Alegre, o NEPE – Núcleo de Estudos em Psicanálise e Educação, o Fórum do Campo Lacaniano, o Lugar de Vida, o Carrossel – Instituto de Psicanálise da Bahia, o Instituto da Família e a Projetos Terapêuticos, e pelos conselhos de psicologia e psicanálise, que afirmam que os pacientes com autismo, bem como com outras graves patologias, podem e devem ser tratados segundo abordagem psicanalítica e multidisciplinar.

Além das respostas à Secretaria, as instituições realizaram uma mobilização pelo País, organizaram grupos de estudos e elaboraram documentos em repúdio ao edital e ao fechamento do CRIA que acabaram por pressionar a Secretaria a voltar atrás da decisão de extinguir o centro.

Apesar de todo o esforço, de acordo com a coordenadora do CRIA, a Psicanalista e Doutora em Psicologia Clínica Vera Zimmermann, ainda não há segurança de que o trabalho continuará ao longo do ano de 2013, pois a decisão de não fechar o Centro foi comunicada verbalmente e não há documento que garanta o repasse de verbas. “Nós não sabemos ainda como vai ser (o ano de 2013). Todos os acordos foram muito verbais. Nós só vamos saber quando for passado um contrato ao Hospital (da Unifesp) e aí veremos se vai ser possível manter toda a equipe. Não temos certeza”, disse ela.


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