Eleonora Duse, a grande dama do teatro moderno, personagem central do espetáculo O Eclipse, em cartaz no Teatro Jaraguá, em São Paulo, ainda é pouco conhecida entre os brasileiros. Ela nasceu na Itália em 1858, viveu até 1924 e ficou famosa por transformar a “arte de representar” em a “arte de interpretar”. Introvertida, Duse dividia com a extrovertida Sarah Bernhardt o pódio de melhor atriz do mundo. A grande Sarah, como toda celebridade, usou de todos os artifícios para chegar ao estrelato. Duse, apesar de ter tido uma vida amorosa bastante efervescente, preferiu mantê-la longe dos refletores e se negava a falar de algo que não fosse a sua arte.
Em 1907, doente e enfrentando uma crise existencial, ela esteve em São Paulo, onde interpretou Hedda Gabler, de Ibsen; La Gioconda, de Gabriele D’Annunzio, e A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas. O público adorou Duse, ela odiou São Paulo. Estava coberta de razões.
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As atenções dos paulistanos ficaram divididas entre “A Divina Duse”, como ficou conhecida, e o eclipse lunar que aconteceu na mesma semana de suas apresentações no Teatro Sant’Anna, na Rua Boa Vista. Tenho certeza que os que optaram por vê-la em cena fizeram a melhor opção. Duse era única e o Universo continuou a nos oferecer diversos tipos de eclipses.
Inspirada nessa conjunção astral, Jandira Martini desenha com perfeição a história dessa mulher tão carregada de emoções e pensamentos profundos sobre a vida e a arte. A platéia de O Eclipse se delicia com o humor italiano de ambas: autora e personagem. Para levar o espectador à loucura, além de escrever essa bela história, Jandira Martini também interpreta o papel de Duse e, sem fazer pose de grande dama de ambas as artes, ela é capaz de nos conduzir por esse universo do teatro, da delicadeza da alma e da generosidade.
É na relação entre Eleonora Duse com o cozinheiro Pietro, um imigrante italiano que trabalhava no hotel onde ela ficou hospedada em São Paulo, interpretado por Roney Facchini, que Jandira propõe um balanço da vida da atriz que, impaciente, vai mostrando suas fraquezas, suas verdades. Roney abre o seu coração e dá vida a essa personagem tão ligada à melancolia tipicamente italiana. É quase possível ouvir uma canção napolitana como fundo musical durante as suas cenas. Pura emoção.
Pragmático, Francisco Serrador, o espanhol que criou a primeira sala de cinema em São Paulo, vivido por Maurício Guilherme, dá as deixas para que Duse mostre suas garras e, com ironia, fale das coisas em que não acredita. Serrador sonha e através de sua visão obstinada e cega, ingredientes fundamentais para aqueles que estão de olho no futuro, pede que ela permita que ele a filme. Ela se nega e explica suas razões. Seu trabalho não sobreviveria sem a sua principal ferramenta, a fala. De certo modo, a crença de Serrador no cinema e no futuro a fascina. Vale lembrar que, tempos depois, quando esteve afastada por alguns anos do teatro, Duse rende-se e deixa-se perpetuar num filme mudo. Não por ele, claro.
Cabe aqui discutir o papel de artistas que dedicam grande parte de suas vidas à comédia, como Jandira, Roney e Maurício Guilherme, e que quando se deparam com personagens tão delicadas oferecem o melhor de suas emoções. Aqueles que conseguem nos fazer rir são os únicos capazes de nos emocionar de verdade. Dá para concluir que só o humor constrói.
A direção de O Eclipse é assinada por Jô Soares, outro artista dedicado ao humor, que, por sabedoria, ou respeito, pouco interfere nas criações de artistas com tanto a dizer.
Se os figurinos, trilha sonora e cenários não colaboram de maneira positiva para enriquecer o espetáculo, também não chegam a atrapalhar. A emoção do texto que recebe o adjetivo de comédia dramática é inabalável.
Para a platéia não sobra nada além do deleite. Eleonora Duse comenta em uma de suas falas que sempre se falou que o teatro da palavra estava morrendo, mas que como um Fênix ele se reinventaria e sobreviveria para sempre. Essa montagem de O Eclipse é uma prova que a arte de interpretar está mais viva do que nunca.
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