O executivo Sergio Chaia assu­­miu cargos de ponta em multinacionais como Johnson & Johnson, Makro, Pzifer, Pepsi, Pizza Hut, KFC, Sodexo e, recentemente, deixou o posto de CEO da Nextel, em busca de desafios pautados por um novo mantra: aprender e compartilhar. Aos 47 anos, Chaia acaba de lançar o livro Será Que é Possível? (Integrare Editora, 241 páginas), em que recorda os dias de jogador, nas categorias de base do Guarani F.C., reflete sobre sua trajetória ascendente e sugere lições às novas lideranças.

Em entrevista à INOVAÇÃO!Brasileiros, ele revelou aspectos que, considera, anteciparam suas conquistas. Citou sua mulher, a executiva Anna Chaia, como grande influência, falou da maturidade alcançada com a chegada do filho, Lucas, 10 anos, e também de atitudes individuais inovadoras para superar desafios de mercado cada vez mais exigentes (e hostis). Enfim, fazer do sucesso, profissional e pessoal, sua vida, seu clube – parafraseando o slogan da Nextel, empresa conduzida por ele nos últimos seis anos.

Inovação – Depois de pendurar as chuteiras, como se deu sua iniciação profissional?
Sergio Chaia – Entrei em Administração, na FGV (Faculdade Getulio Vargas), e tive de deixar Campinas, no interior de São Paulo, onde morava com minha família, para encarar a vida em São Paulo. Foi aí que aprendi a morar sozinho. Do dia para a noite, tive de lavar roupa, cozinhar e fazer uma série de coisas que nunca tinha feito. No segundo ano do curso, meu pai conseguiu para mim um estágio na Johnson & Johnson. Como pretendia me especializar na área, jurei que iria para o departamento de Marketing. Foi, então, que meu chefe disse: “Você vai chegar ao Marketing, mas precisa começar pela área de vendas. Vai trabalhar como promotor”. Eu passava o dia indo a hipermercados, etiquetando fraldas, limpando embalagens de xampus, cotonetes e lavandas, repondo estoques e mantendo as prateleiras abastecidas. Um trabalho duro, pois isso aconteceu em pleno Plano Sarney, que fez explodir o consumo no País com o congelamento dos preços. Eu enchia as prateleiras e, muitas vezes, antes de sair da loja, elas já estavam vazias. Depois, soube que foi justamente meu pai que pediu ao pessoal da Johnson para me fazer trabalhar o mais duro possível. Tive um choque de realidade. A FGV era extremamente elitista e eu saía de lá sabendo que, depois, ia vestir meu avental.

Inovação – Quanto durou essa fase de provações?
S.C. – Menos de um ano. Quando, enfim, cheguei ao departamento de Marketing é que estabeleci a meta de, até os 40 anos, ser presidente de uma multinacional. Meu pai chegou à diretoria da Johnson aos 46 e pensei: “Bem, se ele foi diretor aos 46, tenho de ser presidente antes dos 40!”. Aos 37, sem nunca puxar o tapete de ninguém, com disciplina, escolhas difíceis, trabalho e força de vontade, consegui chegar lá. Mas acabei descobrindo que queria ser presidente pelo propósito errado. Queria mesmo o reconhecimento que a posição de ser, tão jovem, presidente de uma multinacional traria. Como jogador de futebol, no fundo, eu também sabia que o que me atraía era o reconhecimento que o jogador bem-sucedido costuma ter. Substituí o desejo do que eu realmente pretendia no futebol por uma experiência de executivo bem-sucedido.

Inovação – Sua meta foi atingida três anos antes do prazo estabelecido. Quais fatores contribuíram para isso?
S.C. – Em primeiro lugar, construí uma engenharia reversa e pensei: “Se quero chegar à presidência de uma multinacional aos 40, preciso ser diretor aos 35, gerente sênior aos 30, gerente júnior aos 25 e supervisor aos 23”. Se eu percebesse que estava em uma empresa que não tinha potencial para que eu atingisse as metas dessa linha cronológica inversa, procurava outro emprego. Isso me levou a trabalhar, antes de chegar à presidência, em sete empresas.

Inovação – Essa troca de empregos nunca foi avaliada de forma negativa, como insinuarem que você era alguém instável?
S.C. – Sim, até poderia. Mas eu vendia para o mercado que queria construir uma excelência generalista passando por diferentes setores e empresas para que essas experiências trouxessem uma visão maior dos meus próximos desafios e pudesse agregar valor a elas. Era esse meu discurso e a boa notícia é que o discurso funcionou na prática e foi fundamental para atingir minhas metas.

Inovação – Nessa trajetória, você se inspirou em alguma das lideranças que teve nas companhias que atuou?
S.C. – Aprendi muito com meus chefes, principalmente sobre o que fazer e o que não fazer com meus erros e os erros dos outros. Tive chefes com temperamento agressivo e sabia que aquilo mais destruía do que construía. Mas tive também chefes muito inspiradores. Um deles, na Pepsi, me dizia: “Never down moment”. Ou seja, nunca fique para baixo. Um conselho sábio. Se você trabalha em marketing e está para baixo, depressivo, imagine como está o resto da empresa? O marketing espelha a alma da empresa. Com outro chefe, na Sodexo, aprendi a importância da paciência. Não no sentido de passividade, mas de deixar algo conscientemente de lado, enquanto administra outras prioridades.

Inovação – Você é muito autocrítico? É um bom chefe?
S.C. – Sempre procurei ser. Como chefe, não temos a dimensão do quanto somos importantes na vida das pessoas. Passamos, às vezes, 12 horas por dia com um funcionário e fazemos parte da vida cotidiana, pessoal e particular das pessoas. Quantas vezes eu e minha mulher nos pegamos falando dos nossos chefes e funcionários no café da manhã, no final de semana, antes do cinema, da caminhada ou até mesmo na praia. O chefe é uma espécie de fantasma, que nos persegue, orbita em nossa vida o tempo todo. A reflexão que faço em meu livro é: “Que tipo de corrente você quer para si?”. Se você quer ter elos que motivam, seu foco tem de ser na construção, pois as palavras e os gestos de um chefe, muitas vezes, mais destroem do que constroem.

Inovação – E você procura impor essa postura hierarquicamente?
S.C. – Não, jamais quis replicar o que faço em áreas que eram respondidas por outros chefes. Cada um faz o que considera melhor. Se alguém dentro da companhia se inspirasse no melhor que há nessa prática e adaptasse para sua rotina, ótimo, mas nunca impus isso. Aliás, acho até que essa postura faz com que as pessoas percebam que a prática é verdadeira e transparente, não apenas retórica. Você acaba conectando muito mais os colaboradores.

Inovação – Que conselho jamais deixaria de dar a alguém que pretende ser um grande líder?
S.C. –  Terceirizar suas fraquezas, até mesmo para qualificar a formação do seu time. Eu, por exemplo, não faço coisas metódicas com prazer. Na operação de uma empresa na qual trabalhei, precisava de um profissional apaixonado por minúcias. Entreguei essa responsabilidade a alguém com excelência nesse aspecto e terceirizei minha fraqueza. Coloquei, à frente do problema, um especialista, que se sentia forte por estar fazendo aquele trabalho, pois ali era seu porto-seguro. Escolha que também deu a possibilidade de potencializar minhas próprias fortalezas, visto que aquele era um problema que não mais me preocupava.

Inovação – Que concessões precisou fazer para atingir suas metas?
S.C. – Houve uma fase da vida que eu queria acumular promoções, conquistar postos, estrelas e cartões de visita, até perceber que estava tão focado na carreira que ficava devendo dos dois lados, na vida pessoal e na profissional. Hoje, sei que é preciso haver equilíbrio, e não uma divisão. Com a chegada do meu filho, Lucas, percebi que quanto mais você separa, pior fica. Vale mais a pena integrar tudo ao que chamamos de vida. Para mim, não existe essa linha que divide a vida entre pessoal e profissional. Existe, sim, a vida e suas devidas dimensões. Hoje, muito mais do que acumular, conquistar e investir, o que faz sentido para mim é aprender e compartilhar em todas as dimensões. São as duas coisas que, hoje, persigo.

Inovação – Você liderou uma das principais operadoras de telefonia móvel do País, que desafios e soluções as grandes corporações de tecnologia devem enfrentar e prover nos próximos anos?
S.C. – Cada vez mais, veremos consolidar essa convergência em que aparelhos servem o consumidor, em vez de o consumidor servi-los. Já temos geladeiras que avisam quando algo está por vencer, sugerem receitas com o que há dentro delas ou fazem a compra, automaticamente, via internet, quando percebem que algo está acabando; câmeras fotográficas enviam fotos por e-mail, compartilham imagens em rede social, editam vídeos em alta resolução. Mas ainda temos uma carência absurda de sincronicidade entre esses equipamentos e os serviços dos quais eles dependem.

Inovação – Algo que também se aplica ao mercado de telecomunicações?
S.C. – Nessa área, o grande problema é que ainda existe uma não sincronicidade entre os papéis das operadoras, produtores de hardwares e desenvolvedores de softwares e aplicativos,  que cada vez mais consomem redes de dados. A questão é que construir uma rede capaz de permitir que o usuário tenha uma boa experiência em um determinado aplicativo custa muito dinheiro. As operadoras de telefonia móvel estão vendo seus negócios serem cada vez mais parecidos como o dos administradores de rodovias. Hoje, os Smartphones são microcomputadores mais potentes que os computadores pessoais de cinco anos atrás. Você tem uma série de aplicativos e possibilidades, mas a experiência de usuário é frustrante e custa muito dinheiro construir e ampliar essas “rodovias”.

Inovação – Nesse ambiente hostil, enfrentar desafios de gigantes do mercado exige inovação constante?
S.C. – A inovação depende de atitudes individuais e ela só é possível com um grande fator: o novo olhar. O inovador é alguém que consegue ter um novo olhar sobre o estabelecido. Esse é o ponto de partida. Pegue o exemplo da Lego. Uma empresa das mais tradicionais, que faz parte da infância de todos nós, e passou por grandes dificuldades. Esteve próxima da falência. A Lego sempre produziu seus bloquinhos de plástico, extremamente fáceis de serem replicados – inclusive a um custo muito baixo, na China – e, além de ignorar a concorrência, fechou os olhos para essa nova

geração, ligada nos videogames. Havia uma enorme distância entre a Lego e seu público-alvo, até a chegada de um CEO que decidiu mudar a empresa com seu novo olhar. Ele reformulou a linha de produtos e a Lego voltou a ser uma das empresas mais valiosas do seu mercado. Foram criadas redes de lojas, parques e até brinquedos que conectam os tradicionais blocos a recursos de robótica. A empresa jamais poderia falir, pois ela ajuda a iluminar os construtores do futuro. Foi salva e chegou a um patamar ainda mais elevado.

Inovação – Nessa demanda diária, como é possível ser inovador?
S.C. – É preciso cultivar esse novo olhar e ter a capacidade de fazer as perguntas certas, em vez de ficar desesperado atrás de respostas. O nível de informação produzido hoje é muito maior do que a capacidade de consumi-las e é preciso desenvolver competências não usuais. Steve Jobs, por exemplo, foi um grande inovador porque tinha habilidades excepcionais. Ele fez vários cursos que, aparentemente, não tinham o menor sentido, mas, se ele não tivesse tido equilíbrio emocional para enxergar o estabelecido de uma maneira diferente, jamais teria acontecido o que aconteceu com a Apple. Quem quer inovar precisa, primeiro, inovar sua forma de pensar enquanto indivíduo. Em minha trajetória, aprendi que não posso controlar o mundo, mas posso tentar controlar minhas reações perante as coisas que o mundo me traz. Ser inovador, como indivíduo, exige autoconhecimento.


As ilustrações – de Guga Ketzer e Cassio Moron – e as frases em destaque na entrevista foram extraídas do livro Será Que é Possível?, de Sergio Chaia


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.