Muito antes de o planeta ouvir falar em meio ambiente, biodiversidade e camada de ozônio, um italiano, radicado em Portugal, já se preocupava com os rumos da exploração desenfreada dos homens em nossas matas, rios e florestas. E isso em pleno século XVIII. O médico e naturalista Domenico Vandelli nasceu em Pádua, em 1735, e sempre foi um estudioso das ciências em geral, responsável por um dos mais importantes acervos de botânica da época. Em 1765 mudou-se para Portugal e levou com ele toda a sua coleção de documentos, desenhos, objetos e artefatos encontrados em seus trabalhos de campo, dos tempos em que participava de viagens filosóficas às regiões da Itália e aos mares Tirreno e Adriático. Era um colecionador.
Em terras lusitanas, ajudou a criar, fundar e instalar museus de história natural e jardins botânicos em Lisboa e na Universidade de Coimbra, o que o torna o mais importante museólogo setecentista de Portugal. Teve um papel importante também ao incentivar as viagens filosóficas nas colônias ultramarinas, que eram expedições organizadas por naturalistas e botânicos com a intenção de vasculhar e estudar a natureza local. Entre elas, e principalmente, para o Brasil. Ele era um admirador das terras tupiniquins e sua interminável riqueza natural. Sob a sua orientação, muitos de seus alunos passaram a estudar a fundo o território brasileiro, entre eles, Baltasar da Silva Lisboa, Alexandre Rodrigues Ferreira e José Bonifácio de Andrada e Silva. O objetivo principal era fazer um contato com novos elementos da flora até então desconhecidos em uma das mais ricas e importantes colônias de Portugal.
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Vandelli também foi um crítico ferrenho do escravismo e da falta de atenção dos proprietários de terras aos recursos naturais. Ele conhecia o Brasil como a palma de sua mão, sem, no entanto, ter pisado uma única vez no País. Entre seus escritos, destaca-se Memória sobre a agricultura deste reino e suas conquistas, publicado em 1789. Nele, o naturalista contestava a forma de agricultura aplicada na época, “um método que com o tempo será muito prejudicial. Porque consiste em queimar antiqüíssimos bosques cujas madeiras, pela facilidade de transporte pelos rios, seriam muito úteis para a construção de navios, ou para a tinturaria, ou para os marceneiros. Queimados esses bosques, semeiam por dois ou três anos, enquanto dura a fertilidade produzida pelas cinzas, a qual diminuída deixa inculto este terreno e queimam outros bosques. E assim vão continuando na destruição dos bosques nas vizinhanças dos rios”. Um visionário.
Essas e outras histórias sobre nosso primeiro “ecologista” estão no livro O Gabinete de Curiosidades de Domenico Vandelli, publicado pela Dantes Editora com o patrocínio do Banco BNP Paribas e textos de apresentação de Fernanda de Camargo-Moro, José Carlos Brigola, Lorelai Kury e José Augusto Pádua. A publicação também traz aos leitores a troca de correspondências entre Vandelli e o sueco Carl von Linné, conhecido como Lineu (1707-1778) e considerado o fundador da história natural moderna. O livro faz parte de um projeto mais amplo, com anos de pesquisa patrocinada pela Financiadora de Recursos e Projetos (FINEP), empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, exposição e site que mostram o impacto da diversidade brasileira sobre o mundo iluminista europeu. “Vandelli foi um pioneiro. Durante as pesquisas, surgiu a idéia de prosseguir com o registro de suas filosofias além da publicação de um livro. E foi preciso uma pessoa com a vivência de Louis Bazire, para que o projeto se tornasse realidade”, afirma a coordenadora-científica Fernanda Camargo-Moro, referindo-se ao diretor-presidente do BNP Paribas Brasil.
Dividido em cinco capítulos e organizado de maneira cronológica, ele começa com o gabinete de curiosidade de Vandelli e sua eclética coleção – que pertence ao museu da Universidade de Coimbra. O segundo capítulo desvenda a personalidade e a vida de Vandelli, enquanto no terceiro capítulo estão descritas as viagens filosóficas e como elas influenciaram o conhecimento europeu, além de vários documentos e imagens inéditas, como os do complexo da Ajuda, em Portugal, formado pela casa do desenho do Jardim Botânico, pelo gabinete da história natural, pelo laboratório químico e pela biblioteca. O quarto capítulo reúne a coleção do italiano adquirida pela França e o último descreve a sua relação com o Brasil e traz fotos atuais da flora brasileira.
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