Polêmica com propaganda da Coca-Cola vira arte nas mãos de Tom Zé

Foto André Conti/Divulgação

“Velho babão”, “velho bundão”, “vendido a preço de banana”, “americanizado”, “traidor”, “corrompido” e “mentiroso”. Que artista lançaria uma música que trouxesse na letra essas desavenças contra si mesmo? Pois bem, Tom Zé sempre surpreende, desde os anos 1960, e assim continua sendo aos 76 anos de idade.

Após participar de uma propaganda da Coca-Cola sobre a Copa do Mundo e sofrer uma enxurrada de críticas nas redes sociais, o músico resolveu transformar a tensão em arte, e lança agora o EP (do inglês “extended play”, formato intermediário entre e compacto e o álbum) “Tribunal do Feicebuqui”, com cinco faixas (disponíveis para download a partir de hoje no site oficial). Para a criação da nova obra, idealizada junto ao jornalista Marcus Preto, ele convidou músicos da nova geração não só para tocar, mas para compor ao seu lado.

Filarmônica de Pasárgada, O Terno, Emicida, Tatá Aeroplano e Trupe Chá de Boldo são os responsáveis pelos xingamentos que estão no primeiro parágrafo deste texto. Aqui cabe um parentese: não esperem deste texto uma análise crítica do novo disco, já que o repórter que aqui escreve é membro de uma destas bandas (Trupe). Mas até por isso posso contar um pouco mais dos detalhes do processo.

“Podem xingar bastante, pegar pesado”. Foi algo assim que Tom Zé pediu (para a letra de “Tom Zé Mané”) para os compositores Gustavo Galo, Marcelo Segreto e Tatá Aeroplano, que admitiram se sentir um pouco constrangidos com a situação. Mas a música saiu, e é ela que abre o EP. Em seguida “Zé a Zero” inverte o jogo dos críticos ao dizer: “Aqui copa coca acolá/ Fazendo propaganda do Tom Zé”. O disco segue com “Taí” e com “Papa Francisco”, esta última pedindo para o novo pontífice perdoar Tom Zé.

A única faixa sem ligação explicita com a polêmica da Coca é “Irará Iralá”, que remete à infância de Tom Zé em sua cidade natal, no interior da Bahia. É ela também a única que deve entrar no disco que o músico quer gravar a partir de agora com o mesmo time de bandas. Nós, da Trupe, por exemplo, já temos em mãos mais uma composição (genial, diga-se de passagem) para fazer arranjo, composta por Tom Zé nos anos 1970 e ainda sem registro.

A gravação

O processo de criação e gravação de “Tribunal do Feicebuqui” foi rápido, já que precisava responder a uma pauta do momento. A polêmica era notícia, e com ela precisava vir uma resposta ágil. Nos reunimos durante algumas semanas no estúdio de Tom Zé, em São Paulo, e lá gravamos sob o comando de Daniel Maia.

Ficavamos lá por horas ouvindo histórias do simpático e agitado Tom Zé, aparentemente contente com aquele bando de moleques em seu apartamento. Fiquei feliz de ler seu depoimento, ontem, em reportagem do Globo: “Todo dia, todo mundo aqui, parece aquela casa que tem 15 filhos e 18 netos. Todo mundo dando penada em tudo. Você sabe como é a convivência com os jovens: se a gente pensa que é sabido, tá fodido. Tem que estar ciente de que eles sabem demais. Mesmo que seja para discordar deles”.

Tom Zé nos deu dicas de respiração correta, postura, boas aulas de história e ensinamentos musicais. Ele diz que aprende muito com os jovens, mas tenho certeza de que nós é que aprendemos muito com ele. E viva esse maravilhoso “velho bundão”.

A Brasileiros já publicou em suas páginas diversas matérias com ou sobre Tom Zé. Leia aqui algumas delas:

Mestre dos mestres, pelo próprio músico

Tom Zé nu & cru, por Marcelo Pinheiro

Tom em todas, por Robert Christgau


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