Virada para uma década

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Expectativa – Cerca de 4 milhões de pessoas são esperadas nas 900 atrações em São Paulo

Em 2004, foi no mínimo surpreendente para os paulistanos ver o centro de São Paulo lotado durante a madrugada, iluminado, com milhares de pessoas circulando e assistindo a shows de música, dança, teatro e circo. Tudo de graça. Não fazia parte do “imaginário” dos moradores da cidade vê-la abrigar tantas atividades realizadas ao mesmo tempo, e muito menos ter o Centro – considerado perigoso – ocupado durante 24 horas seguidas por gente das mais variadas regiões e classes sociais. No entanto, inspirada na “Noite Branca” parisiense, a Virada Cultural deu certo, cresceu, perpassou governos de diferentes partidos, enfrentou crises e momentos memoráveis, e chega agora à sua 9a edição, nos dias 18 e 19 de maio, como o maior evento cultural de São Paulo – só em 2012, reuniu mais de 4 milhões de pessoas.

Para este ano, a programação será reforçada com novos palcos e foco em cultura popular. Estão previstos 120 locais e 900 apresentações – aumento de 25% em relação à edição anterior. O encerramento, domingo à tarde, será do grupo Racionais MCs, que volta à festa depois do conturbado show de 2007. A Prefeitura garante que investiu R$ 10 milhões para bancar todo o evento. Em uma cidade que ainda carece de espaços públicos de qualidade e de grandes eventos abertos, a Virada, mesmo que apenas anual, abre outras perspectivas de como as coisas poderiam funcionar. “Ela permite que os paulistanos convivam, desfrutando desses espetáculos”, diz o secretário de Cultura da cidade, Juca Ferreira, em entrevista à Brasileiros. “Nas cidades litorâneas, a praia possibilita essa convivência. São Paulo é uma cidade que sofre muito pelo crescimento desordenado e pela especulação imobiliária, e os espaços urbanos foram reduzidos e perderam qualidade nas últimas décadas. Assim, é um acerto o evento acontecer no Centro da cidade. Se os espetáculos se espalhassem por toda ela, enfraqueceria o conceito e perderia parte do sentido”, completa.

Em seu primeiro ano à frente da secretaria, como membro da gestão de Fernando Haddad (PT), o baiano, ex-ministro da Cultura, destaca a importância de fortalecer o caráter cosmopolita da Virada. “Aos poucos iremos soltando essa vocação da cidade em ser parte do Brasil e do mundo. São Paulo tem vocação de liderar processos culturais dentro e fora do País. Não se justifica o ‘ensimesmamento’ cultural da cidade”, afirma Ferreira, aproveitando para cutucar parte da intelligentsia paulistana que, alguns meses atrás, criticou o novo prefeito por escolher um “não paulistano” para assumir a pasta da cultura.

Um homem de moral
Paulo Vanzolini nasceu e cresceu no bairro do Cambuci, viveu intensamente São Paulo e sua boêmia, trabalhou décadas na principal universidade da cidade – a USP – e escreveu canções clássicas sobre o Brás, a Praça Clóvis e a Avenida São João. Tornou-se, assim, um dos ícones do samba paulistano. E não poderia deixar de ser homenageado na 9a edição da Virada Cultural de São Paulo, que acontece menos de um mês após sua morte – ocorrida no dia 28 de abril, em decorrência de uma pneumonia.

Em 89 anos de vida, o compositor escreveu clássicos como Ronda, Volta por Cima e Samba Erudito, e foi interpretado por vários dos principais nomes da música brasileira, como Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Chico Buarque e Maria Bethânia, entre outros. É parte desse legado musical – que soma mais de 70 canções – que será lembrado em uma homenagem no palco do Pátio do Colégio, e deve aparecer também em shows de outros artistas durante a Virada.

Mas se qualquer brasileiro sabe facilmente sair cantando “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”, poucos sabem que Paulo Vanzolini era, na verdade, um grande zoólogo, e tinha a música apenas como um hobby. Sim, sambista e zoólogo, especialista em répteis e anfíbios, o paulistano fez doutorado em Harvard, dirigiu por três décadas o Museu de Zoologia da USP e foi um dos idealizadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Disse, certa vez, que não sabia cantar ou tocar e que ocupava todas suas horas trabalhando, não compondo. Ainda bem que sobrou algum tempinho para a música…


Eclética

Como principais destaques musicais internacionais, o evento traz nomes como George Clinton (fundador de Parliament e Funkadelic), o duo de hip-hop Black Star, o cubano Eliades Ochoa (do Buena Vista Social Club) e uma série de grupos argentinos de tango: El Arranque e Orquestra Típica Fernandes Fierro. Entre as atrações nacionais destacam-se, além dos Racionais, Gal Costa, Jorge Aragão, Jorge Mautner, Daniela Mercury, Otto, Gaby Amarantos, Emicida e Criolo.

Mas a Virada é muito mais do que música. Cinema, espetáculos de teatro, dança, intervenções artísticas, espaços gastronômicos e shows de stand up comedy se espalharão pelos espaços do centro, unidades do SESC e alguns museus da cidade. Para selecionar essa programação eclética, pela primeira vez a organização convidou um corpo amplo de curadores especializados. Uma das novidades definidas por eles é a chamada Viradinha, braço infantil do evento. Em palco montado em frente ao parque da Luz, clássicos como A Arca de Noé (Vinicius de Moraes) e Os Saltimbancos (Chico Buarque) serão reinterpretados por André Abujamra e Bixiga 70, respectivamente, e projetos como Palavra Cantada, Pequeno Cidadão e Banda Mirim apresentarão seus repertórios para crianças. “Estamos trabalhando a ideia de desenvolver algumas políticas culturais novas, e as crianças estão entre os grupos humanos que mais merecem nosso carinho e nossa atenção”, explica Ferreira.

Prestes a completar dez anos, a Virada Cultural segue vigorosa em São Paulo, com público crescente e intensas atividades durante as 24 horas que ocupa. Juca Ferreira concorda, no entanto, que 24 horas de cultura são pouco para uma cidade como a capital paulista: “A Virada não satisfaz todas as necessidades de lazer e de espetáculos da terceira maior cidade do mundo. Por isso, estamos trabalhando em um Programa Anual de Eventos da Cidade de São Paulo. Grandes, médios e pequenos eventos que devem ocorrer durante todo o ano, distribuídos por toda a cidade”. O paulistano aguarda, ansioso.


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