Quando eu era moleque, três malfeitores assombravam meus pesadelos. Eram por ordem de horror: o Sete Dedos, o Meneghetti e o Homem do Saco. Não existiam noias. Crack era som de porrada em gibi. Claro que tínhamos nossos paranoicos. O seu Penteado, por exemplo, vizinho da minha avó, vivia assustado, achando que o mundo iria acabar dali a pouco e os prováveis responsáveis pelo apocalipse éramos nós: a criançada que invadia a rua Daniel Rossi, em Santana, nas férias de verão. O Penteado provava a tese de que até mesmo os paranoicos têm inimigos. A garotada não dava mole.
O chamado Sete Dedos era de dar arrepios. Para quem não teve sua companhia nas noites de suadouro, basta dizer que a figura foi o maior batedor de carteiras de que se tem notícia na história da pauliceia. Na minha mente, criou-se primeiro a dúvida. Por que diabos o cara tinha a alcunha de Sete Dedos? Seria porque perdera três extensões da mão? Fosse esse o caso, imaginei, o sujeito seria ruim de par ou ímpar. Mas o que me dava calafrios era a ideia de que o lanceiro, na verdade, tinha sete dedos em uma única mão.
Explicava essa desconfiança pela praticidade da deformidade. Sim, porque tendo mais dedos ele seria capaz de agarrar uma carteira com mais tenacidade. O que me invocava nessa teoria era a questão de como o larápio conseguia enfiar aquela mão tão povoada no bolso dos incautos. No escuro, na cama improvisada na sala de estar da vó Cotinha, eu me apavorava com a ideia de que o Sete Dedos entraria em casa no meio da madrugada e me impediria de gritar, colocando aquela mãozona na minha boca. O ato impediria até, digamos, um dedinho de prosa.
De todo o modo, nunca me ocorreu que o Sete Dedos não teria qualquer interesse em um moleque sem carteira. E seu eu tivesse alguma, com certeza estaria vazia. Já o Meneghetti era criminoso de outro calibre. Aquele italiano de Pisa chegou a receber título de “maior gatuno da América Latina”, o que, convenhamos, é um assombro nesse continente de ladrões. No entanto, o Gino – seu primeiro nome – era considerado uma espécie de Robin Hood. Dizia-se que ele fazia caridade e nunca agrediu ninguém. Era o rei dos telhados, entrava nas casas pelas janelas que, então, ainda eram mantidas abertas. Os cães, lembre-se, eram amarrados com linguiça.
Era tal a bonomia de seu Gino Meneghetti que as autoridades o prendiam e, dali a pouco, o cara estava outra vez fazendo das suas. Acho que havia certa simpatia da polícia. Eram tempos em que a Guarda Civil – antecessores da PM criada durante a ditadura militar – portava cacetetes de madeira branca. A cor alva era para simbolizar o pouco uso do instrumento.
Porém, o maior dos monstros de minha infância era definitivamente o tal do Homem do Saco. Dele dizia-se que era um mendigo carregando um saco. Recolhia as crianças para fazer sabe-se lá que maldades. Pintava no pedaço a qualquer hora do dia, mas, segundo as mães e avós, tinha preferência pela noite. Dava a hora da Ave Maria – às 18 horas – e pela Daniel Rossi era um tal de mulher gritando: “Fulano, sai da rua. Vem pra casa, senão o Homem do Saco vai te pegar!”. Bastava para interromper qualquer peleja. Acabava o dia.
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