Bravo compositor

 

Compositor atuante, o carioca Edu Lobo acaba de colocar na praça seu 19o álbum. Registrado ao vivo em maio de 2011, no Beurs van Berlage, em Amsterdã, Holanda, o disco é um apanhado de pérolas escritas por ele em diferentes períodos. Entre as 14 faixas, estão clássicos como Casa ForteZanzibar, No Cordão da SaideiraA Bela e A Fera e Vento Bravo, todas executadas com o luxuoso auxílio da Metropole Orkest, que convidou Edu a realizar o projeto – outros brasileiros como Astrud Gilberto e Egberto Gismonti também foram reverenciados em concertos da orquestra holandesa.

Regidos pelo maestro Jules Buckley, os arranjos do novo disco de Edu – obcecado pela arte de escrever orquestrações – são de Gilson Peranzzetta, que também toca piano e acordeon. O saxofonista Mauro Senise também participa do registro. E o sabor de redescobrir suas canções com formas e tons imaginados por outrem parece ter inspirado Edu a soltar a voz. Recém-lançado pela Biscoito Fino, Edu Lobo & Metropole Orkest é vibrante. O cantor e os mais de 50 músicos envolvidos no projeto fazem música de entrega, com alma. E mesmo não desfrutando da visibilidade de alguns de seus pares de geração, como Gil, Caetano e Chico, o autor de clássicos da chamada Era dos Festivais, como as campeãs Arrastão e Ponteio, segue comprometido tão somente com sua arte.

Em 29 de agosto, Edu completará 70 anos. Filho do também compositor Fernando Lobo, ele cresceu em ambiente musical. Aos 8 anos, foi incentivado pela mãe a estudar acordeon e dedicou-se a ele até os 14 anos. À época, o instrumento também seduziu o compositor Marcos Valle, amigo de Edu, com quem ele teve um trio, ao lado de Dory Caymmi e o pianista João Donato.

Edu fez estreia luminar com o álbum A Música de Edu Lobo por Edu Lobo, lançado, em 1965, pelo cultuado selo Elenco, de Aloysio de Oliveira, com acompanhamento do Tamba Trio e arranjos do pianista do mítico combo de samba-jazz, Luizinho Eça. Outro defensor da obra do novato autor foi decisivo para a realização do primeiro disco, o maestro Tom Jobim. Foi ele quem convenceu Aloysio a lançar o álbum por sua renomada gravadora.  Naquele mesmo ano, Marcos Valle partiu para os EUA, impulsionado pelo sucesso da bossa Samba de Verão. Edu seguiu trajetória semelhante à do amigo Marcos. Em 1965, ele ganhou fama nacional com a canção Arrastão, composição sua, com letra do poeta Vinicius de Moraes, amigo de seu pai. Quatro anos mais tarde, depois de arrebatar o público do festival da TV Record de 1967, com Ponteio, Edu também partiu para os EUA, recém-casado com a cantora Wanda Sá. Na bagagem, a experiência de também compor trilhas de peças teatrais, como a histórica montagem de Arena Canta Zumbi, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, e a vontade de dedicar-se aos estudos de orquestrações, iniciados no álbum homônimo de 1967, no qual escreveu arranjos para cordas e sopros.

O exílio criativo na Califórnia, em Tarzana, distrito de Los Angeles foi breve, mas sintomático de que Edu era um tipo diferenciado de artista e a consistência de sua produção certamente veio de atitudes introspectivas como essa. No auge da carreira, Edu saiu de cena, fugindo de um País silenciado por fuzis e cerceado por uma patrulha cultural que olhava com desconfiança seus propósitos políticos. Augusto de Campos, artífice da Poesia Concreta, crítico musical dos mais lúcidos, defendendo o pensamento de vanguarda dos tropicalistas Caetano Veloso e Gilberto Gil, sentenciou sobre Ponteio, de Edu e o poeta Capinam (que derrotou Alegria, Alegria, de CaetanoDomingo no Parque, de Gil, no Festival da Record de 1967): “Ponteio é uma composição agradável, bem estruturada e equilibrada, campeã nata de festivais, mas não dá um passo à frente na produção de Edu Lobo; é antes um passo na direção de Disparada”.

O suposto retrocesso argumentado por Augusto, percebe-se hoje, é personalidade, força motriz da criação de Edu Lobo. Quando surgiu cantando temas nordestinos, ele provocou um deslocamento espacial, ao “levar” ouvintes da Bossa que contemplavam as belezas idílicas do Rio de Janeiro para também enxergar as mazelas nordestinas. Sensibilidade que ganhou envergadura política ainda maior quando Edu se aproximou de três artistas combativos: o compositor Carlos Lyra, um dos mais ativos integrantes do Centro de Cultura Popular-CPC, do Partido Comunista Brasileiro; o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, coautor de Chegança; e o cineasta Ruy Guerra, parceiro de Edu em Reza e Aleluia, enaltecido como letrista por Julio Medaglia no ensaio Balanço da Bossa Nova, de 1966: “Em parceria com Edu Lobo, o cineasta de Os Cafajestes põe em circulação uma série de motivos bem apanhados, cuja expressividade poética reside exatamente na secura da empostação e da linguagem”, defendeu o maestro autor do arranjo de Alegria, Alegria, terceiro lugar no festival de 1967, mas, como Domingo no Parque, de Gil, embora derrotada, abre-alas da revolução tropicalista.

Longe de querer integrar um movimento estético ou fixar-se a um rótulo reducionista, como “artista político”, Edu Lobo faz, à sua maneira, antropofagia, ao unir urbe e campo, erudito e popular, como, até mesmo Augusto de Campos admite no artigo Da Jovem Guarda a João Gilberto, de 1966: “Berimbau x violino, carcará x rouxinol, a dura aspereza do nordeste encontra a doce secura da bossa citadina e com ela se harmoniza naturalmente”.

Edu é música plena. Despreza frivolidades musicais e, citando a letra do poeta Cacaso, que versa sobre um “brasileiro de estatura mediana”, não tolera lero-lero. Seu novo álbum, apesar de não trazer novidades autorais (em 2010, ele lançou seu mais recente disco de inéditas, Tantas Marés) chancela esta percepção, desde a primeira audição. I


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