Norbert Miguletz/Schirn Kunsthalle Frankfurt
Jeff Koons se inspira na pop art e faz simulações de infláveis como este da série "Lagosta"

Cada vez mais se revela que o fenômeno da mundialização ou da globalização que deveria estimular os intercâmbios culturais, a miscigenação e favorecer todas as formas de hibridação artísticas, assim como a distribuição das formas, dos estilos e dos materiais na era da pós-modernidade, é uma ilusão.

Recentes estudos comprovam: a clivagem permanece entre os champions do Kunst Kompass – os Estados Unidos e a Alemanha – que constituem o “centro” da cena artística mundial e a periferia com o Brasil, a África e a Índia. Entre os dois, existe uma “semiperiferia” – França, Inglaterra, Itália, Suíça e China. Em suma, se nos referirmos à situação dos países emergentes, são sempre os países ocidentais os mais industrializados do planeta que orientam a dança e reinam como mestres sobre o mundo da arte. Alguns reprovam este instrumento de avaliação, o Kunst Kompass, considerando-o um barômetro imperfeito para a boa saúde artística mundial. Mas ele, contudo, oferece muito bem o reconhecimento dos cem artistas contemporâneos vivos, mais vistos e mais cotados, nas galerias e nas exposições internacionais de arte contemporânea.

Sendo ainda o Kunst Kompass a nos ensinar que um país como o Brasil representa 1% de participações de galerias nas exposições internacionais de arte contemporânea, em prejuízo da importância mundial de uma bienal como a de São Paulo, um dos principais eventos do mundo internacional de arte, ao lado da bienal de Veneza e da dOCUMENTA de Kassel.

O capitalismo vem, entretanto, criando uma arte à sua imagem, uma arte de entretenimento, do dinheiro e de especulações financeiras, emancipada das injunções e das ilusões modernistas, uma arte sem referência, sem verdadeiros valores, sem verdadeiros ideais, desprovida da autêntica perspectiva humanista e, finalmente, muito consensual. Seria feita uma arte conforme o testemunho desabusado das vicissitudes do mundo, com frequência lúdico, muito frequentemente luxuoso e cada vez mais rentável economicamente. Que essa arte seja um pouco importuna, muito, apaixonada, absurda, pouco importa. Tudo se toma como bom e se inclui no excesso e, às vezes, sobretudo, no extremo sob o carimbo do mercado internacional. Vejam-se as obras de arte consideradas “provocantes” realizadas pelos artistas internacionalmente reconhecidos e que se situam no hit parade das vendas e das exposições, como Jeff Koons, Maurizio Cattelan, Damien Hirst ou Wim Delvoye. A exemplo das ciências humanas e sociais, atualmente negligenciadas, política e literalmente “neutralizadas”, a arte entraria agora, ela também, na categoria das disciplinas e das práticas “impensáveis” ou “impossíveis”. O que se acaba de escrever aqui poderia facilmente se tornar uma espécie de doxa pessimista perante a arte e a criatividade artística nos países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), principalmente aos olhos da América Latina e, especialmente, no que concerne ao Brasil. Mas não é esse ponto de vista desmoralizador e pessimista que assumo aqui, o que intenciono é bem ao contrário.

Em 1997, a redatora chefe da revista ArtPress, Catherine Millet, lançou um desafio aos filósofos de arte. Esses deveriam escrever um artigo sobre um artista, de preferência um pintor. Esse artista deveria ser escolhido livremente. Que fosse amado ou detestado, para falar bem ou mal. Nenhuma diretriz foi fornecida a respeito da época, nem do estilo desse artista, que poderia estar morto ou não. O importante é que esses filósofos, habituados às abstrações conceituais, desenvolvem uma argumentação estética racional, positiva ou negativa. Eles precisavam, no espaço de um artigo, se transformar em críticos de arte, refletir sobre o concreto, excluir as noções teóricas e abstratas e formular julgamentos estéticos.

Rémi Villaggi

 

"Bruxa (1979/81)", de Cildo Meireles, artista conceitual que invadiu o Frac Lorraine com uma obra de resistência

Catherine Millet solicitou em princípio ao filósofo analítico americano, Arthur Danto, que escrevesse sobre suas obras e seus artistas preferidos. Danto escolheu o período do século XVIII europeu, que ele bem conhecia e fez um notável artigo de história da Arte, mas não de Filosofia.

Depois de Danto, foi a mim, a quem ela propôs esse mesmo desafio. Minha situação era delicada, ao menos por duas razões. De uma parte, não queria publicar na ArtPress, uma revista especializada na avant-garde, um artigo sobre um artista bem conhecido na França, ou ainda no mundo, não seria de grande interesse. Um artigo apologético sobre Gerhard Richter, ou Lucian Freud, ou Iberê Camargo, para dizer que se trata de grandes pintores, não tinha nenhum sentido. Muitas circunstâncias me foram felizmente favoráveis.

Em primeiro lugar, o número da ArtPress no qual fui convidado a escrever deveria conter um dossiê sobre a situação dos artistas brasileiros. O momento era do Brasil. Nos anos de 1990, na Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne, muitos estudantes brasileiros assistiram ao meu seminário de doutorado. Sempre se questionava sobre o “modernismo” brasileiro e as noções de miscigenação, de hibridação, de apropriação e, seguramente, de antropofagia. Não me esqueço, ainda, que Lygia Clark foi nossa colega na Sorbonne. Ela e também a artista Lea Lublin, da Argentina, contribuíram para a formação do Departamento de Artes Plásticas e Ciências da Arte nos anos de 1970, desenvolvendo uma aula original e, mais ainda, recorrendo ao que seria, de uma vez, uma sólida reflexão teórica e o happening. Tratava-se certamente do que denominamos hoje de performances. Lygia Clark envelopava os estudantes em imensos sacos plásticos. Ela os convidava às experiências corporais coletivas graças aos “objetos sensoriais” ou “relacionais”, insistindo sobre a dimensão corporal e terapêutica da experiência estética. Ela insistia que seu percurso criativo implicaria totalmente o espectador, que se tornaria constitutivo da obra.

Durante essa pesquisa sobre os artistas brasileiros, a obra de Siron Franco me apareceu como exemplo do que sabia sobre o canibalismo, pela dupla leitura que fiz do Manifesto Canibal, de Picabia, e do Manisfesto Antropofágico, de Oswald de Andrade. Percebi a diversidade, a extraordinária força expressiva, um humor quase surrealista e explosivo, o caráter corrosivo e mesmo subversivo de certas performances: havia tudo o que poderíamos esperar de uma apropriação verdadeira da arte moderna ocidental e da sua “deglutição”, conforme o Manifesto Antropofágico dos anos de 1920, na linha do modernismo brasileiro. Alguma coisa que fosse uma transavantgarde (transvanguarda) brasileira como foi, nos anos de 1980, segundo o crítico de arte Achille Bonito Oliva, ao nomeá-la transavantgardia italiana, um movimento verdadeiramente precursor da pós-modernidade.
Filósofo e crítico francês, professor de Estética na Unidersidade Paris 1 – Sorbonne. Autor de, entre outros, O Que é Estética? (Editora Focus) e La Querelle de Lart Contemporain

Tradução de Christiane Wagner, Doutora em Arts Plastiques, Esthétique et Sciences de l’Art pela Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) e Doutora pela Universidade de São Paulo
FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo


*Filósofo e crítico francês, professor de Estética na Unidersidade Paris 1 – Sorbonne. Jimenez é autor de, entre outros, O Que é Estética? (Editora Focus) e La Querelle de Lart Contemporain (inédito no Brasil)

Tradução de Christiane Wagner, Doutora em Arts Plastiques, Esthétique et Sciences de l’Art pela Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) e Doutora pela Universidade de São Paulo
FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.