Durante um curso de pós-graduação em comunicações e direito da informação na Universidade de Navarra, Espanha, o jovem brasileiro Antônio Alexandre Garcia viu uma apresentação sobre a Costa Rica que o deixou impressionado: o país havia abolido as Forças Armadas em 1949, decisão estabelecida na Constituição. Em caso de guerra, o país seria defendido pelos cidadãos armados, o que realmente chegou a acontecer em 1955, quando o ex-ditador da Nicarágua, Anastácio Somoza, quis invadir a Costa Rica.
Como muitos de sua geração, Antônio viveu anos de repressão, autoritarismo e censura no Brasil e queria visceralmente conhecer um lugar sem militares no poder. “O mérito dessa decisão foi do presidente José Figueres (1906-1990), que comandou tropas de libertação no levante de 1948 contra fraudes na eleição presidencial. Ele teve a visão histórica de que, pelos rumos da América Latina e com o aparecimento de caudilhos como Getúlio Vargas, a manutenção das Forças Armadas seria uma ameaça permanente à democracia. Foi brilhante”, diz o jornalista, também chamado de Tó por familiares e amigos de mais longa data, incluindo os colegas de militância na época estudantil na corrente Vento Novo.
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Além de se apaixonar pelo país, também se apaixonou pela costa-riquenha Ana Victoria, sua colega de graduação. Terminado o curso, casaram-se e ele foi viver na Costa Rica. Lá, ao longo dos últimos 20 anos, construiu um sólido grupo de comunicação, o Crítica, formado por um canal de TV aberta (Canal 19, TV Costa Rica), duas emissoras de rádio (Rádio Costa Rica e Rádio Mulher), uma empresa de TV a cabo e uma reserva ambiental para o resgate de animais silvestres ameaçados e em situação de risco. Ao todo, ele possui 13 concessões de canais de TV e emprega mais de 250 pessoas. “Como grupo, disputamos a quarta posição entre as empresas mais importantes no país. Entre as TVs a cabo, a TelePlus disputa a terceira posição, mas somos a primeira em preço baixo para a população e a primeira em cabo inalambrico (‘sem fio’, sem ser por satélite). É a empresa que, pelo preço, tornou acessível o serviço de cabo aos setores mais pobres da população.
Com orgulho, levamos às classes média-média e média-baixa canais como Discovery, People & Arts, CNN, Cartoon, ESPN, Fox Sports, Discovery Kids, Cinecanal e National Geographic, entre outros. Na verdade, a minha preocupação fundamental é não tanto com o êxito financeiro quanto com o trabalho social desses meios. Pode soar estranho, mas ganhar dinheiro não faz parte das minhas metas de vida”, afirma.
Estranho ou não, Antônio é hoje um bem-sucedido empresário. Antes de se mudar para a América Central, estudou ciências sociais na Universidade de São Paulo, fez mestrado em jornalismo e comunicação de massas na Florida International University (EUA) e finalizou com um doutorado em economia e administração de empresas, na Universidad Latinoamericana de Ciencia y Tecnología (Costa Rica). Na imprensa brasileira, foi repórter da Folha da Tarde e da TV Globo. Dessa época, guardou o conselho da fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller na cabeça. “Ela recomendou que eu assumisse um estilo mais agressivo no vídeo. Passei a fazer isso e me senti mais seguro; também passei a me comunicar melhor”, lembra.
O conselho foi útil ainda para sua carreira política. Naturalizado costa-riquenho, já participou de várias campanhas eleitorais. Em fevereiro de 2007, foi eleito vereador pelo Movimento Libertário, com uma plataforma antiestatizante, contra o abuso na cobrança de impostos e a corrupção. Em dezembro de 2006, já se havia lançado na disputa à prefeitura de San José, a capital, mas perdeu.
Jornalista e empresário
Vários fatores colaboraram para que esse jovem jornalista, que desembarcou na Costa Rica com US$ 10 mil no bolso e a expectativa de viver em um país sem militares, conseguisse concessões de TV e rádio. “Deixei a Rede Globo em 1983, para trabalhar no Canal 6 da Costa Rica. Meu desafio era levar o segundo telejornal do país ao primeiro lugar, o que ocorreu em oito meses. Pouco depois assumi o controle da produção jornalística da empresa, que tinha, na época, dois canais”, lembra. Seria possível fazer isso no Brasil? Dá para imaginar um argentino apresentando o Jornal Nacional da Globo? Pois é, esse foi Antônio Alexandre Garcia na sua chegada à Costa Rica, país que, segundo ele, não tem preconceito em relação a estrangeiros.
Em 1988, comprou ações do primeiro canal de TV aberta em UHF na Costa Rica, um canal pequeno de formação de opinião, debates, entrevistas e análises. Era uma novidade, mas, como os costa-riquenhos amam as discussões, o canal deu certo. Mais tarde, tornou-se único dono da emissora. “Desde o começo, minha decisão foi investir na produção do país. Nesse começo, eu fazia entrevistas e coordenava discussões políticas no ar. Sete anos depois, passamos a operar outros dois canais de TV aberta, um nacional e outro regional, e fomos a primeira empresa do país a regionalizar uma programação. Era TV Limon, na zona do Caribe. Em 1993, me associei a um canal de rádio e, posteriormente, recebemos a concessão de outra. Tudo em governos diferentes”, conta.
Na Costa Rica, adquirir um canal ou freqüência de rádio ou TV que não esteja em uso não é difícil. A empresa ou pessoa física que pede a concessão tem de cumprir os requisitos de lei, como experiência, seriedade, projeto, instalações, programação mínima nacional, antecedentes judiciais e policiais impecáveis. “Essa facilidade faz com que a Costa Rica, um país de 4,5 milhões de habitantes, tenha quase cem emissoras de rádio e 22 de TV”, revela, orgulhoso. A última empresa do grupo Crítica, a TelePlus, foi comprada de um grupo norte-americano que operava sem êxito.
Corrupção e ética
Alexandre já tentou algumas vezes criar um canal de televisão no Brasil – a última foi no governo FHC. “Busquei um empresário amigo de uma rede de TV para tentar participar nos processos de abertura e de operação de TVs e rádios no Brasil. Meu colega foi incisivo: quando tentou ampliar sua rede, as pressões que sofreu deixaram claro que sem ‘caixinha’ não conseguiria as informações necessárias para participar do processo”, diz Antônio. Por seus cálculos, precisaria pelo menos de uns US$ 50 mil para poder chegar ao processo final. “O modelo brasileiro de ‘leiloar’ as freqüências apenas contribui para manter os monopólios. E nem tudo na vida é dinheiro. Os meios de comunicação estão dentro da casa das pessoas. Eles educam e também podem distorcer a cabeça. Quanto mais opções, melhor”, avalia.
Pensando assim, será que algum dia ele tirou um programa do ar? “Não. Já fui criticado no ar por produtores ou jornalistas em empresas minhas e a ordem aos controladores foi manter no ar todos os programas. Mesmo ganhando menos, pode-se ter êxito com um projeto ético. Não me interessa produzir se não for assim.” Mas e o que aconteceria se, a partir do conceito de liberdade total, um grupo resolvesse defender a discriminação aos vizinhos nicaragüenses, que continuam chegando à Costa Rica para fugir da fome? “Essas divergências acontecem o tempo todo. No Canal 19, há um programa que discrimina os nicaragüenses e outro dos nicaragüenses mostrando que eles estão ajudando a construir a Costa Rica. Aqui dá para trabalhar sem vender a consciência e sem sofrer represálias.”
Segundo Antônio, os valores democráticos se mantêm nos momentos mais delicados. Um deles foi quando o seu Canal 19 teatralizou um assassinato que teria sido cometido pelo ex-presidente. Na juventude, aos 18 anos, ele teria matado um narcotraficante. Dois anos depois, ele descobriu que tinha errado feio. “Nós nos retratamos no ar”, lembra.
Trocar mísseis por livros
Volta e meia bate um pouco de saudade dos pais, irmãos, sobrinhos e cunhado que vivem no Brasil. E também dos sonhos libertários de sua época de Tó. Voltaria para cá? “Nem penso nisso”, diz o empresário, que tem cinco filhos de dois casamentos e acaba de se casar com a brasileira Daniela Kirsch, advogada gaúcha de 24 anos. Sempre que vem ao Brasil, ao retornar à Costa Rica procura levar uns produtos brasileiros – normalmente importa a cachaça 51. “Não é fácil. O Estado aqui se mete em tantos aspectos da economia que torna tudo muito difícil. O governo de Lula deveria facilitar a vida dos exportadores brasileiros”, afirma. Outra coisa que, para ele, seria uma mão na roda para o Brasil é a extinção das Forças Armadas. “Desde que foram abolidas na Costa Rica, os investimentos para educação pública aumentaram. Por isso, somos o país mais alfabetizado da América Latina”, conta ele.
Pelo Censo de 2000, na zona metropolitana de San José existem 3% de analfabetos e 11% com formação em curso superior. Os jovens são maioria na população, que tem um alto percentual de pessoas que dominam o inglês, além do espanhol, o que tem atraído grandes empresas internacionais a instalar suas sedes latino-americanas na Costa Rica. “O Brasil deveria espelhar-se nesse exemplo e trocar tanques, mísseis e foguetes por cadernos, lápis e professores. Essa é a porta aberta para o futuro.”
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