Retrospectiva de um visionário

Mesmo não tendo nascido em nosso País, Waldemar Cordeiro foi, indiscutivelmente, um dos mais importantes artistas visuais brasileiros. Morto há exatos 40 anos, em junho de 1973, ele nasceu em Roma, na Itália, mas aportou por aqui em 1946, aos 20 anos. Atuou, inicialmente, como jornalista, ilustrador e crítico. Mas, a partir dos anos 1950, começou a produzir obras fortemente ligadas aos preceitos estéticos da arte concreta defendida desde a década de 1920 por Theo van Doesburg (que, em 1924, cunhou o termo, em oposição à arte abstrata), e pelo suíço Max Bill, que organizou, em 1944, a primeira mostra coletiva e internacional de arte concreta, e também participou da 1aBienal de São Paulo, em 1951.

Mas a influência estrangeira na obra de Cordeiro sempre esteve a serviço de uma produção muito particular e serviu como referência para a criação de trabalhos de imensurável personalidade, realizados por ele e por um radical grupo de amigos. Ao lado dos artistas Geraldo de Barros, Luiz Sacilotto e Judith Lauand, Cordeiro integrou o movimento Ruptura que, em 1952, assinou manifesto homônimo, no qual defendiam um maior despojamento nas formas de expressão, caracterizado pelo abstracionismo geométrico de Max Bill e de artistas pioneiros, como Josef Albers e Adolf Fleischmann.

Comunista, de orientação gramsciana, Cordeiro nunca fez questão de capitalizar com suas obras ou nutrir relações mercadológicas. Sequer foi representado por galeristas enquanto esteve vivo. Sua receita financeira vinha de outras fontes: trabalhos urbanísticos e de paisagismo. E foi, talvez, por ter total domínio e autonomia sobre suas criações, que Cordeiro empreendeu uma trajetória das mais prolíficas. Agora, um recorte expressivo dessa produção volumétrica – aliás, a maior retrospectiva de sua carreira, reunindo cerca de 250 obras – estará em exposição na sede paulistana do Itaú Cultural até o final de setembro na mostra Waldemar Cordeiro: Fantasia Exata.

Edoardo Fraipoint
A obra “Auto-retrato probabilístico” (1967), que integra a mostra “Waldemar Cordeiro: Fantasia Exata”. Reunindo cerca de 250 trabalhos, a retrospectiva ainda resgata a faceta de paisagista, com a reprodução, no parque Ibirapuera, de um projeto assinado pelo artista

 

A exposição tem curadoria de Arlindo Machado e Fernando Cocchiarale e ocupa três andares do Itaú Cultural. No piso 1M, estão expostas obras icônicas do Ruptura. Logo na entrada, o visitante se depara com uma reprodução do manifesto assinado pelo grupo de artistas. Além de trabalhos de Cordeiro, Hermelindo Fiaminghi, Lothar Charoux e Judith Lauand têm obras expressivas neste espaço expositivo. Reproduções fotográficas de trabalhos perdidos, que marcaram o grupo, como os de Leopoldo Haar e Kazmer Féjer, também estão reunidas no espaço.

Já as obras do piso 1S trazem um recorte cronológico, que vai de 1962 a 1969, período marcado por uma ruptura com os princípios concretistas em novas obras, onde é patente a utilização de suportes como jatos de tinta e pinturas gestuais, feitas com colagens e apropriações de objetos. Transição estética para uma nova vertente intitulada por Cordeiro de arte concreta semântica (ou, na definição de Augusto de Campos, popcreto).

O piso 2S traz uma das facetas mais fascinantes de Waldemar Cordeiro. O andar é inteiramente dedicado à arte computacional criada por ele (ou arteônica, como ele mesmo definiu). “Muito cedo, ele se deu conta de que as formas artesanais de arte iriam sofrer um impacto sem precedentes com o advento das novas tecnologias (do computador principalmente), a absorção de processos industriais e a incorporação de novos circuitos de difusão”, observa o curador Arlindo Machado. Embora as experimentações dialoguem com a computerart, tão em voga nos Estados Unidos e na Europa dos anos 1960, Machado defende que o “ítalo-brasileiro” foi além, ao atribuir ao movimento uma dimensão crítica e político-social.

Enfatizando a importância das experiências urbanísticas e paisagísticas de Cordeiro, o Itaú Cultural ainda reproduzirá durante a exposição, ao lado do Auditório Ibirapuera, no Parque Ibirapuera, obra realizada pelo artista para a residência do ex-deputado Ubirajara Keutenedjian, nos anos 1950. A visita aos dois espaços é, para dizer o mínimo, obrigatória.


Waldemar Cordeiro: Fantasia exata
Itaú Cultural – Avenida Paulista, 149 – São Paulo
Até 22 de setembro. De terça a sexta-feira,
das 9h às 20h; sábados, domingos e feriados,
das 11h às 20h. Entrada franca


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