Assim que lançou o volume sobre sua quase mítica biblioteca de obras raras, Uma Vida Entre Livros, o empresário paulista José Mindlin (1914-2010), com humor, repetiu para si mesmo um gesto que autores de todos os cantos, idades e importância do Brasil e do mundo lhe faziam costumeiramente: escreveu uma dedicatória como se tivesse se dirigindo a outra pessoa. “Para a tão falada Biblioteca José e Guita Mindlin, atendendo a repetidas reclamações das bibliotecárias, encabeçada por Cristina Antunes, oferece este exemplar de seu livro, o Autor.” Parte da mensagem – “para a tão falada Biblioteca José e Guita Mindlin” – agora dá título a um livro organizado por sua filha Lúcia Mindlin Loeb. Nele, a seleção de uma centena de autógrafos que fazem parte da coleção deixada pelos pais.
O volume é um fetiche para quem ama e coleciona livros, pela carga sentimental que traz nas reproduções, resultado de uma relação de carinho recíproco – e de gratidão – que esse colecionador mantinha com autores, muitos deles amigos de décadas. João Cabral de Melo Neto, Antonio Candido, Renina Katz, Raquel de Queiroz, Manuel Bandeira e muitos outros estão no livro. Carlos Drummond de Andrade é o mais presente, com 18 livros selecionados. Em um deles, fez questão de autografar um exemplar raro de Claro Enigma, lançado em 1951 pela José Olympio, a pedido do colecionador: “Com emoção reencontro este volume, agora guardado pelo zelo e pela sensibilidade de José Mindlin”.
Empresário bem-sucedido e generoso, Mindlin fazia doações sem alarde, apenas para ver algo acontecer na cultura nacional. Em outubro de 1978, Drummond agradeceu, a seu modo, por um desses gestos: “A Revista dormia em seu jazigo pobre. Eis (que) chega e, vara de condão em punho, ressuscita-a, e, para nós, descobre em seu rosto fanado imprevisto clarão”. Ana Miranda, na sua mais famosa obra, Boca do Inferno, escreveu em setembro de 1989: “Estou certa de que lido por você meu livro se tornará um livro melhor”. Alguns autores aparecem como surpresa pelo inusitado. A do roteirista Jean-Claude Carriere, por exemplo, que escreveu com o cineasta espanhol Luis Buñuel a as memórias deste, Meu Último Suspiro. No exemplar em espanhol que deu ao casal, durante sua viagem a São Paulo, em agosto de 1989, fez uma dedicatória com caricatura do amigo, já falecido.
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Filho de judeus nascidos em Odessa, na Ucrânia, Mindlin começou a trabalhar aos 15 anos de idade como repórter no jornal O Estado de S. Paulo. Formou-se em Direito na USP e advogou por alguns anos. Até fundar a empresa Metal Leve, que se tornou uma potência nacional no setor de peças para automóveis. Aposentou-se, em 1996, para se dedicar à paixão de colecionar livros raros, um prazer que usufruía desde os 13 anos e o acompanhara por toda a vida. Ao completar 95 anos, em 2009, seu acervo era de cerca de 40 mil volumes, incluindo obras consideradas muito raras de literatura brasileira e portuguesa, relatos de viajantes, manuscritos históricos e literários (originais e provas tipográficas), periódicos, livros científicos e didáticos, iconografia e livros de artistas (gravuras). Foi então considerada por bibliófilos a maior biblioteca particular e também a mais importante do Brasil.
Mindlin fazia questão de ressaltar que a coleção foi resultado de uma parceria com a mulher, Guita. Um acervo cobiçado que ocupava boa parte de sua casa, no bairro paulistano do Brooklin, e era aberto a pesquisadores, curadores, historiadores, escritores, iconógrafos, professores, etc., que iam lá em busca de informações raras que complementassem seus estudos – dissertações, teses e até trabalhos escolares. Em 2006, ele entrou para a Academia Brasileira de Letras. No mesmo ano, decidiu doar todas as obras brasileiras da biblioteca à USP. Decisão que pode ser justificada por uma frase sua: “A gente passa, os livros ficam”.
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