Deparar-se com protestos, repressão policial e prisões não é mais algo atípico nos arredores da praça Taksim, em Istambul. Pelo contrário: após dois meses de incessantes manifestações anti-governo, os atos já parecem se misturar à rotina de moradores e frequentadores, criando um ambiente bastante peculiar em ruas de grande movimento da região. Na importante avenida Istklâl Caddesi, é possível presenciar turistas tomando sorvete, comerciantes de rua vendendo milho ou kebab, mulheres passando de burca e, ao mesmo tempo, ativistas correndo ou sendo presos.
Os atos começaram em maio na cidade, com manifestações contrárias ao projeto de reurbanização do Parque Gezi (ligado à Praça Taksim) que derrubaria centenas de árvores para construir um empreendimento imobiliário no local. A repressão policial e a grande insatisfação de setores da sociedade com o primeiro-ministro Recep Tayyp Erdogan logo resultaram em enormes atos contra o governo, que se espalharam por diversas cidades. Erdogan é acusado de autoritarismo e de “islamizar” cada vez mais o Estado turco (laico), com leis contra o aborto, contra o uso de pílulas e a venda de álcool depois das 22h, entre outros controles. Para entender melhor, leia entrevista que a Brasileiros fez com o historiador Pedro Paulo Funari, da UNICAMP.
Desse modo, mesmo após a Justiça do país invalidar o projeto de reurbanização do parque, as manifestações continuam, apesar de que em menor escala. Cinco jovens que morreram devido à repressão se tornaram símbolos da luta, assim como um adolescente que foi ferido gravemente quando ia comprar pão para a mãe. A polícia, mesmo sendo obrigada (por ordens do governo) a diminuir a violência da repressão, segue dispersando manifestações com jatos de água e armas de borracha (veja vídeo exclusivo da Brasileiros abaixo). “Este país não é uma terra comum. Você não pode organizar um protesto onde quiser. Você pode fazer isso onde for autorizado”, disse Erdogan, no último mês. Assim, na Praça Taksin e região, um jogo de “gato e rato” faz com que grupos se reúnam e a polícia os disperse, seguidas vezes em poucas horas.
Um país múltiplo
Em poucos dias de caminhada nas ruas de Istambul, os contrastes de uma sociedade múltipla saltam aos olhos, e parecem ajudar a esclarecer o quadro por trás dos recentes conflitos no país. Enquanto em bairros religiosos e populares como Eyup não é recomendável nem mesmo caminhar com os ombros de fora (quase todas as mulheres vestem burcas) e não é possível achar um único estabelecimento que venda bebida alcóolica, em ruas como a Bagdá visualiza-se o oposto: não há uma mulher de burca, ouve-se música eletrônica por todos os lados e encontram-se apenas restaurantes internacionais e lojas de grifes ocidentais. Na região da Taksim, onde acontecem os confrontos, os mundos se misturam. E é ali que jovens politizados, que não pretendem nem usar burca nem levar uma vida “americanizada”, saem as ruas para defender suas causas.
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