Progressista, em mãos neo-conservadoras

 

O Washington Post repercute o caso Watergate, escândalo denunciado no jornal diário, que culminou na renúncia do ex-presidente americano Richard Nixon

O empresário americano Jeffrey Bezos é o 19° colocado na lista da revista Forbes, dos maiores milionários. Tem estimados US$ 25 bilhões- quantia maior do que o PIB da Nicarágua. Ele é dono da Amazon, poderosíssima loja virtual que vende quase tudo o que é produzido pelo Homem. E com tanta bufunfa, não seria de se estranhar que ele, vez por outra, fizesse alguns gastos excêntricos. Como por exemplo: financiou a recuperação, no fundo do Atlântico, de um dos foguetes propulsores da nave Apolo 11 – aquela que colocou o homem na Lua. Também enfiou dinheiro grosso num relógio que funcionará por 10 mil anos e foi enterrado numa montanha do Oeste do Texas. Porém, ninguém imaginaria que o homem fosse queimar dinheiro como o fez agora. Torrou US$ 250 milhões na compra do combalido diário The Washington Post.

É verdade que a quantia representa tostões para Jeffrey, mesmo assim trata-se de uma incongruência. Afinal, foi ele mesmo quem profetizou: jornais impressos não existirão daqui a 20 anos. Nesse passo, ele pagará US$ 1,25 milhão por ano até a morte do matutino. Fora aquilo que a empresa vem perdendo, já que neste ano o Washington Post resolveu cobrar pela leitura de seu conteúdo na Internet. Seus 457 mil assinantes são daqueles que recebem o impresso na porta de casa.

Porém, e esse é um importante “porém”, o Washington Post é um dos diários mais renomados do mundo e primeira leitura de quem detém o poder em Washington. Ou seja: faz as cabeças de quem tem autoridade para mandar cortá-las. O próprio jornal, lembre-se, decepou o cabeça de estado americano, Richard Nixon, com sua série de reportagens sobre o escândalo de Watergate. Ainda que isso tenha sido no tempo do onça – na época da imprensa analógica – este matutino da capital ainda tem cacife para derrubar gente importante com suas matérias.

É verdade que o Washington Post não é mais aquele dos tempos gloriosos dos lendários repórteres Carl Bernstein e Bob Woodward, do editor Ben Bradlee e da proprietária Katharine Graham. Em anos recentes chegou a perder a liderança de mercado até mesmo na cidade onde está ancorado. Foi suplantado por um tempo pelo jornaleco The Washington Times, do reverendo Moon. No entanto, Bezos, filho de imigrantes cubanos, aos 49 anos provou com muitas sobras que é capaz de fazer dinheiro com qualquer coisa. Começou com um produto com eterno perigo de perder dinheiro: a literatura. Hoje ele vende livros, a granel, assim como: desde roupinhas para animais de pequeno e médio porte, até maquinário industrial leve. E foi ele um dos investidores anjos do Twitter. Se não for capaz de tirar o jornal do vermelho, pelo menos tem carteira recheada o suficiente para mantê-lo nas bancas. O que, honestamente, era empreitada duvidosa recentemente.

Há quem vocifere contra essa compra de agora. Acusam Bezos, entre outros pecados, de monopolizar todos os mercados onde entra – até mesmo o de roupas para animais. O que, no caso da imprensa, pelo menos, não parece viável. Rangem-se dentes e derrubam-se lágrimas com relação à ideologia do milionário. Perguntam o que acontecerá com a linha editorial progressista do diário, agora sob o controle de um neo-conservador.

Neo-conservador, como se sabe, é aquele que prega a supremacia do indivíduo e acredita que o Estado deve intervir o mínimo possível na sociedade. Parece algo legal, até que o Estado deixa de investir em programas sociais. Bezos vai fundo nessa questão e aplicou dinheiro grosso numa campanha exigindo redução nos impostos de milionários, como ele. Menos taxação, menores investimentos sociais, e deixe-se o ricaço fazer aquilo que desejar com seu tutu. Seja gastá-lo na recuperação de um motor de espaçonave esquecido no Atlântico, ou comprar um jornal. E a chamada “opção pelos pobres”, pregada pelo Papa Francisco I, que vá para o inferno.

A interferência do novo dono do Washington Post na linha editorial, porém, fica no campo das especulações. O homem já disse que não sairá de Washington, o Estado, para Washington, a Capital. E nem demonstra estar dando tanta bola para seu novo brinquedo. Não parece que alguém o verá de mangas arregaçadas copidescando um texto de Woodward numa tarde de plantão de sábado na redação. Por enquanto, o que importa é que o jornal foi salvo. Ao contrário de tantos outros títulos famosos que estão sendo, ou já foram, enterrados sem funeral decente.


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