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Tenho telefone fixo desde que me entendo por gente. Quer dizer, desde a casa dos meus pais. O primeiro celular, só há doze anos, pela necessidade de fazer trabalhos free-lancer. Nem por isso, deixei de usar o orelhão, que sempre me salva quando dá algum problema no fixo. Difícil mesmo é encontrar um aparelho e, mais complicado ainda, que esteja funcionando. Quer dizer, um que dá linha ou lê o cartão que devemos usar – funcionava melhor no tempo das fichas que pareciam moedas. Agora, a Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações anuncia que vai desativar 400 mil dos mais de 1 milhão de aparelhos espalhados por aí até 2016. Imagino que, como uma empresa pública que zela pelo interesse coletivo, a empresa saiba bem o que está fazendo, porque milhões de brasileiros que vivem na pobreza ainda precisam dos telefones públicos. Aí, você pode dizer: mas todo mundo tem celular. Sim, pode ser. Mas um bom número possui apenas para receber chamada porque é complicado colocar R$ 10 por mês de crédito. Para ligar, vão ao orelhão. Soma-se a isso pessoas em trânsito, estudantes que ligam a cobrar para pais em outros estados, alguma emergência, falta de crédito no celular etc.
Leio a matéria de Marta Nogueira, do jornal Valor Econômico, e vejo que estou errado quanto a acreditar que a Anatel sabe bem o que está fazendo. Segundo ela, o movimento de retirada dos pontos, que pode ser definido na revisão do contrato de concessão de telefonia fixa, em 2015, atende a um antigo pleito das empresas de telefonia, que se queixam de fazer investimentos para manter o serviço que é cada vez menos procurado pelos usuários. Uma consulta pública sobre a questão está prevista para março de 2014. “A maioria dos orelhões hoje é subutilizada”, afirmou à repórter João Rezende, presidente da Anatel. A partir da medida, Rezende disse acreditar que as empresas terão um “alívio no caixa” para investir na modernização de cerca de 300 mil orelhões, incluindo a oferta de Wi-Fi, a banda larga sem fio. “Para a empresa fazer investimento em Wi-Fi é preciso baixar o custo dos orelhões, porque no contrato de concessão se prevê equilíbrio econômico e financeiro desse investimento”, explicou. Uma defesa segura do setor privado bastante questionável.
Peguei no Portal São Francisco alguns fragmentos dessa história curiosa, que reproduzo a seguir. Os primeiros TPs – Telefones de Uso Público – surgiram em 1878, nos EUA, e funcionavam em estações telefônicas. No Brasil, os aparelhos com pagamento antecipado foram instalados na cidade de Santos, em São Paulo, a partir de março de 1934. Eram, então, usadas moedas de 400 réis. Em 1945, devido à mudança da moeda brasileira, a Companhia Telefônica modificou o dispositivo interno dos aparelhos, que passaram a funcionar com duas moedas de 20 centavos. Para as primeiras experiências, esses novos aparelhos foram colocados na Galeria Cruzeiro, no Rio de Janeiro. Para acabar com os problemas causados pela freqüente troca de moeda e facilitar o uso dos aparelhos, algumas companhias de telefone adotaram as fichas. Só que havia um problema: estas fichas eram exclusivas de cada companhia e de cada localidade, o que levou a CTB, em 1964, a criar um único modelo para toda a área por ela atendida que foi, em 1970, implantado pela Telebrás em todas as companhias do Brasil.
Ainda de acordo com o Portal São francisco, até metade do ano de 1971 no Brasil, não existiam telefones públicos nas calçadas, até que, em São Paulo, foram experimentadas 13 cabines circulares de fibra de vidro e acrílico, o que teve resultados desastrosos devido ao uso inadequado e às ações de vandalismo. Para substituí-las, a CTB – Divisão São Paulo – desenvolveu um segundo projeto, também em fibra de vidro, apelidado carinhosamente pela população de “Orelhão”, que passou a ser usado em grande escala, ganhando as ruas de todo o Brasil e até de alguns outros países. Foram apresentados à população em 20 e 25 de janeiro de 1972, nas comemorações de aniversários das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, respectivamente. Na década de 1970, foram introduzidos dois modelos diferentes de aparelhos: um vermelho – para ligações locais – e outro azul – para ligações interurbanas – cada qual com sua ficha correspondente, igual para todo o território nacional. Os “Orelhões” passaram com sucesso as últimas décadas do século XX e entraram no século XXI fazendo parte de nossa paisagem. Em abril de 1980, a Telesp iniciou um novo projeto: cabines em concreto com inserção de vidro temperado incolor, tendo como experimento inicial a Capital de São Paulo, as cidades litorâneas de Santos, Guarujá e São Vicente e a cidade de Campinas no interior. Com a aprovação da população, esse projeto se estendeu para todo o Estado.
A matéria do Valor Econômico é clara: apesar da consulta pública prevista para o ano que vem, a Anatel não se baseou em nenhum estudo consistente para acabar com tantos orelhões. Pelo visto, quer apenas atender às prioridades das operadoras, sem considerar o impacto que a medida pode trazer junto à população de baixa renda, cuja voz nunca é ouvida. Pelo visto, restará apenas as expressões “caiu a ficha” ou “não caiu a ficha” dos tempos dos orelhões. E logo ninguém vai saber de onde vêm. Como aconteceu com “fazer nas coxas”.
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