Quem acompanhou pela TV as provas de natação dos Jogos Pan-Americanos Rio 2007 percebeu um comportamento curioso dos torcedores cada vez que Thiago Pereira caía na piscina do Parque Aquático Maria Lenk, no complexo do Autódromo Nelson Piquet, Barra da Tijuca, zona Oeste do Rio de Janeiro. Curioso porque, acima de tudo, jamais foi ensaiado. Era o corpo do jovem nadador bater na água e a turma começar a berrar: “Vai, Thiago, vai, Thiago, vai, Thiago!”. Todos juntos, numa
seqüência forte, rápida, ritmada.

Misturada ao público, Rose Vilela – mãe de Thiago e criadora do bordão – já não conseguia ouvir sua voz ecoar no Maria Lenk com tanta facilidade. Mas por um motivo nobre: seu grito firme e solitário, que incentivou o filho único em toda a carreira, das disputas infantis aos Jogos Olímpicos de Atenas 2004, era também o grito dos torcedores no belíssimo parque aquático, nos botecos, nos clubes e nas salas do País.

Os gestos firmes de Rose simulando embalos com os dois braços (alguém duvida de que mamãe não acreditava estar de fato empurrando seu menino?) eram agora também a base da coreografia nas arquibancadas.

E Thiago Machado Pereira Vilela, fluminense de Volta Redonda, 21 anos, fã da banda de rock Guns N’ Roses, de internet, de lasanha e do clássico arroz-feijão-bife-e-batata frita, realmente foi. E foi fundo.

Atleta do Minas Tênis Clube, que – por enquanto, claro – conta apenas com dois patrocinadores, os Correios e a fabricante de artigos esportivos Speedo, Thiago ganhou oito medalhas no Pan do Rio. Foram seis ouros, uma prata e um bronze. As douradas vieram nos 200 e 400 metros medley, nos revezamentos 4×100 e 4×200 metros livre, nos 200 metros costas e nos 200 metros peito.
A de prata foi conquistada no revezamento 4×100 metros medley e o bronze, nos 100 metros costas. Com seu feito, pulverizou alguns recordes, entre eles o de cinco ouros em um único Pan, do norte-americano Mark Spitz, nos Jogos de Winnipeg, Canadá, em 1967, e o do brasileiro com o maior número de medalhas em uma única edição desses jogos, que resistia em poder de Djan Madruga desde San Juan, Porto Rico, em 1979, quando o nadador, que nasceu em Santos mas se considera carioca, faturou três pratas e três ouros. Entre provas eliminatórias e finais, Thiago nadou três quilômetros em alta performance durante os Jogos.

Se representasse sozinho um país, Thiago terminaria em nono lugar geral. Ficaria à frente do Chile e da República Dominicana (quatro ouros), empataria em número de medalhas douradas com a Venezuela do presidente Hugo Chávez e, para o prazer de muitos, colaria nos sete ouros ganhos por los hermanos argentinos. A sacolinha particular de Thiago abriga 11,1% dos ouros do País e 17,6% das douradas conquistadas pelo masculino brasileiro em todo o Rio 2007. O Brasil terminou o Pan com 161 medalhas – 54 ouros, 40 pratas e 67 bronzes.

“Estava mesmo na hora de esse meu recorde ser batido”, admite Djan Madruga, hoje secretário nacional de Esporte de Alto Rendimento do Ministério do Esporte. “Fico honrado por ter sido o Thiago, um nadador como eu. Esse menino é um talento. Vai lutar por muitas medalhas nos Jogos de Pequim 2008”, completa ele, que, elegante, fez questão de ir ao Maria Lenk no dia da quebra de sua marca para abraçar e tirar fotos com o novo dono do recorde.

As braçadas levaram Thiago rapidamente à condição de celebridade. Rose conta que, no dia 17 de julho, aniversário de Volta Redonda, o prefeito da cidade, conhecida por abrigar a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), colocou um telão no maior cinema local para que parte da população acompanhasse as provas e gritasse o nome do
conterrâneo ilustre em clima de Copa do Mundo.

O Volta Redonda, principal time de futebol da cidade, vai disputar partidas, entre elas algumas da segunda divisão do Campeonato Estadual do Rio de Janeiro, com o “Vai, Thiago!” escrito nas camisas. No Maria Lenk, ele era, disparado, o mais assediado pelas “Marias Medalhas”, a versão pan-americana das “Marias Chuteiras” do futebol, “Marias Gasolinas” dos carrões e “Marias Tatames” das turmas de luta.

As homenagens, o sucesso, o reconhecimento, os números e os recordes, como não poderia deixar de ser, enchem de orgulho Rose Vilela, uma professora de Educação Física que ocupa o cargo de secretária municipal de Esporte e Lazer de Volta Redonda. No último 16 de julho, quando Thiago começou a incendiar as arquibancadas do Maria Lenk com os dois primeiros dos seis ouros que viria a ganhar, ela perdeu a voz.

Na prova número um do dia, a dos 400 metros medley, ainda foi possível ouvir alguns fiapos de seus gritos. Mas na dois, a do revezamento 4×200 livre, nada de mamãe Rose. O fôlego e as cordas vocais não resistiram ao esforço feito nas eliminatórias e no início das finais. Por uma dessas peças que o destino costuma pregar, o público, sem saber de nada, decidiu adotar o “Vai, Thiago!” justamente naquela final.

As lágrimas foram inevitáveis. Em silêncio, ela testemunhava seu menino abrir corpos de vantagem sobre o concorrente norte-americano. E, ao mesmo tempo, como explicou na longa entrevista à Brasileiros, via o filme dos anos ao lado do filho único passar certinho pela cabeça. Tudo em ordem cronológica: primeiro as trapalhadas de criancinha, como sempre preferem as mães. Lembrou que, por conta de mais uma ironia, a relação de amor do garoto com a água começou num dia em que ele quase se afogou.

Os dois estavam no sítio de familiares de Rose em Minas Gerais. Thiago, prestes a completar 2 anos, pulou na piscina em um momento de distração da mãe e, cansado, não conseguiu sair. Foi retirado graças ao alerta de um primo que, na época, tinha 6 anos. Dias depois, ao voltar para Volta Redonda, Rose matriculou o pequeno em uma escolinha de natação. “Decidi fazer logo aquele seguro de vida”, brinca ela.

O pódio que mais emocionou a mãe do campeão não foi um dos oito conquistados no Rio, mas o bronze nos 400 metros medley em Santo Domingo 2003, o primeiro dele em Pan-Americanos. Essa medalha, aliás, é dela. Foi entregue ainda no parque aquático pelo filho, que escalou as arquibancadas até atingir o ponto onde ela estava. Rose acha graça das reações dos estrangeiros diante de seu entusiasmo. “Na República Dominicana foi divertido. Alguns me olhavam como se quisessem perguntar: ‘Quem é essa maluca?’”, conta. Ela deixa claro que não tem conversa: todos os “Vai, Thiago!”, em qualquer ponto do mundo, foram e serão em português. “Versões ficariam falsas. Na Olimpíada de Atenas, em 2004, eu berrava em português entre gregos e um imenso grupo de japoneses”, diverte-se.

No dia seguinte ao da última medalha no Pan Rio 2007, Thiago, garante a mãe, acordou com a cabeça em Pequim 2008. Precisará mesmo de muita concentração. Vai enfrentar o gênio norte-americano Michael Phelps em praticamente todas as provas que disputa. Nos 200 medley, por exemplo, a diferença que os separa é de três segundos, muito tempo para uma modalidade tão rápida.

“Thiago admira Phelps. Acha que ele impôs um ritmo que ajudou a melhorar os tempos de todos na natação, inclusive os dele”, explica Rose. “Mas meu filho está diminuindo os espaços. Ele irá atrás de medalhas em Pequim, pode anotar.” Está anotado. Sabe-se agora que gritos de “Vai, Thiago!” não faltarão. E, se a voz de mamãe Rose sair fraca ou falhar, não haverá problema. O Brasil vai ecoar.


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