Doutor Castro sempre cultivou a ideia de que seu filho, além de herdeiro, seria seu sucessor na Castro & Veiga Advogados. Apresentava o menino assim: Esse é meu filho, futuro advogado e sócio. O menino desde pequeno percebeu a armação. Gradualmente, é claro, foi pegando alergia ao Direito. Na adolescência, amadureceu a ideia de que advogado só lida com bandido. Não disse nada ao pai, seria uma conversa infindável.

Com o tempo, para o desespero do pai, começou a falar em fazer Letras. Depois, mais tarde, chegou à decisão final: Cinema. O pai quase enfartou, disse que o filho iria morrer de fome, coisa e tal. Mas não teve jeito, engoliu o sapo. Seguiu, entretanto, imaginando caminhos para o filho. Certa feita, o rapaz, já formado, armou uma viagem com os amigos para a Patagônia argentina. Partiriam em uma madrugada de sexta-feira, destino Porto Alegre. Uma pauleira. Enquanto aguardava o amigo passar para buscá-lo, o pai disse que ele deveria ficar atento à geografia da viagem, sobretudo a dos Campos Gerais, da Serra Gaúcha e do Pampa, claro. Discorreu sobre o assunto. Que atentasse também à mudança dos costumes com a latitude. Que comprasse livros de autores locais. E assim foi. Não havia a possibilidade de o rapaz fazer suas próprias descobertas. Assim era o doutor Castro.


O rapaz, que estava mal dormido, decidiu resolver a parada na hora. Preciso falar uma coisa para você, disse firme ao pai. O pai estranhou aquilo, mas o filho foi logo ao assunto. Usou uma alegoria cinematográfica, calcada no gênero western (ele achava um desrespeito chamar de bangue- -bangue). Pediu que o pai considerasse o tipo pistoleiro justiceiro, extensão contemporânea dos cavaleiros medievais da literatura. O pai perguntou: Como assim? Aonde você quer chegar? O rapaz disse que sempre se vira atravessando as pradarias da vida dirigido pelo pai, que teve a competência de um John Ford. O pai, coitado, gostou da avaliação. Agora, anunciou o rapaz, era preciso dizer basta! Doravante, o pai seria um figurante em sua vida. Não mais o diretor. Você será um figurante, um índio que só observa, de longe. Desses que ficam lá em cima do desfiladeiro vendo o cavaleiro passar. Esse índio está tão longe das câmeras, que pode até usar óculos, tênis e relógio, exagerou o rapaz.

O pai chocado disse que não cabia a ele o papel de índio, sobretudo porque não tinha o ímpeto belicoso do índio. Estudioso do western e muito calmo, o rapaz pensou um pouco e disse: Ok, você pode ser o pianista do saloon, que entretém e alegra o ambiente, mas não participa da ação. Doutor Castro ficou meio chocado, mas, pessoa afetiva, gostou muito da proximidade. A chegada do amigo foi então anunciada com uma roncada de motor. O rapaz pegou a mochila e olhou nos olhos do pai: Estamos entendidos? O pai disse: Sim, certamente. O rapaz, então, gritou: Tchau mãe, vou nessa!. Dona Celeste veio correndo da cozinha com um lanchinho para a viagem, perguntou se ele estava levando casaco pesado e pediu que ligasse ao chegar a Porto Alegre. Doutor Castro, então, surpreendeu: Celeste deixa o menino levar a vida dele, que coisa!. Foi assim que o doutor Castro estreou no piano, dona Celeste viu sua maternidade esmaecer e o rapaz partiu para a Patagônia. Feliz da vida.


Comentários

2 respostas para “O pianista”

  1. Avatar de Diêgo Raian
    Diêgo Raian

    Qual o nome do autor desse conto ?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.