Parati, com todas as letras

Mais de 20 mil pessoas, entre intelectuais, fãs e curiosos, conferiram o trabalho dos 39 autores que participaram das 23 mesas de debate durante os quatro dias da quinta edição da Festa Literária Internacional de Parati (Flip), realizada de 4 a 8 de julho. É o caso do dermatologista paulista Evandro Rivitti, 66 anos. “Venho todos os anos. Adoro literatura!”, diz ele.

Para os 29 mil habitantes da cidade, a Flip é um importante acontecimento. O movimento econômico é, sem dúvida, o grande apelo da feira – porém não o único. “Durante a edição deste ano, a ocupação das pousadas foi de 100%, duas vezes acima do normal, e o movimento dos restaurantes foi quatro vezes maior”, calcula Milena Cardoso, da Associação Casa Azul, entidade organizadora do evento.
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A feira está transformando a vida cultural da cidade. A diretora de Cultura e responsável pelo acervo da Biblioteca Municipal Fábio Villaboim, Maria José S. Ramack, calcula que o acesso e a retirada de livros cresceram 15% por conta da Flip. “Além das obras do dramaturgo Nélson Rodrigues, homenageado pela festa neste ano, os paratienses também vêm à biblioteca para buscar livros de outros autores que participam da Flip”, diz. A cada ano, o evento homenageia um grande escritor. No ano passado, Jorge Amado esteve no centro das discussões.

Mas foi nas ruas que a comunidade se sentiu realmente à vontade para “respirar” literatura. A Praça da Matriz da cidade transformou-se numa verdadeira oficina de literatura a céu aberto: a Flipinha, versão infantil da Flip. Com livros e balões coloridos pendurados em árvores e bonecos de papel machê representando personagens de histórias de autores como Franz Kafka e Lewis Carroll espalhados por toda a parte, a Flipinha é uma grande festa, que parece animar mais os paratienses do que a própria Flip.

A principal instalação é uma tenda, na qual são expostos trabalhos de alunos das escolas da cidade, com um palco para as muitas atrações. “Esse evento é uma conquista para a comunidade. A Flipinha é um trabalho constante, que começa na escola, dura todo o ano e coloca a juventude em contato com a literatura”, conta Themilton Tavares, ator que dá aulas de Arte e História da Arte para as primeiras séries do ensino fundamental, no Colégio Estadual Engenheiro Mário Moura Brasil do Amaral (Cembra) e em um colégio da rede privada, ambos em Parati.

A Flipinha começou em 2004. De acordo com Marli Cardoso, diretora do Cembra, após a primeira Flip a comunidade local reclamou da pouca participação no evento. “Os organizadores fizeram a proposta de realização de uma parceria com as escolas durante o evento. Quem financia é a Flip e quem organiza somos nós, em parceria com o Cembra, com projetos dos alunos”, explica.

Ela conta que em 2003 e 2004, ano da primeira e da segunda Flip, poucas pessoas da cidade tiveram a oportunidade de visitar a tenda dos autores (onde são realizadas as palestras ao vivo). “A Flip era tida como algo mágico e meio inacessível para elas. Então, em 2005, o escritor Ariano Suassuna resolveu ficar mais um dia na cidade, abrir a tenda à comunidade e falar sobre sua obra. A tenda ficou lotada”, lembra Marli. Este ano, Paulo Lins, autor do livro Cidade de Deus, repetiu o feito.

A diretora considera a Flip um importante evento, mas não deixa de comentar a disparidade da grande festa com a realidade da cidade. “As pessoas que trabalham na Flip poderiam ser de Parati, mas não são porque o pessoal daqui não tem preparo. Então, por que não capacitá-los?”

A professora também reivindica maior participação do governo. “A escola pública não tem atenção do governo”, reclama ela. “Não me conformo em começar o semestre com um grande número de alunos sem professor.” Essa defasagem, diz a diretora, explica o elevado índice de analfabetismo na cidade que sedia a principal festa literária do País.

Quando os livros caem das árvores
Leitura ao pé da árvore. Essa foi a principal atividade desenvolvida pelos alunos do Cembra, na Praça da Matriz. Estudantes que fazem o curso de formação de professores liam para as crianças livros infantis amarrados aos galhos de manacás-da-serra, unhas-de-vaca, paineiras e outras espécies.

“A Flipinha é como se fosse um estágio para nós. Nesse tempo, usamos o conhecimento que tivemos em aula para lidar com as crianças. Mas o mais legal é que elas têm mais oportunidades de ler, e, para muitas, é um primeiro contato com os livros”, diz Shirley Rocha, estudante do primeiro ano do curso.

E não é só a criançada que se beneficia com o evento infantil. “Tem muito adulto que participa, mesmo que seja para acompanhar os filhos. Isso é bom, porque agrega conhecimento para eles também”, conta o comerciante uruguaio Marcelo Dalto, que mora em Parati há um ano.

Parati ou Paraty?
A grafia do nome da cidade onde foi realizada a Flip provoca dúvidas. Hotéis e restaurantes empregam o “y” com freqüência em letreiros e cardápios, mas a própria organização do grande evento literário grafa Parati com “i”. Afinal de contas, qual é o certo? “Originalmente, o nome era grafado com dois ‘i’ – Paratii. Essa forma de grafia foi adotada pelos portugueses, para ressaltar a pronúncia gutural do ‘i’ empregada pelos índios”, explica Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick, professora de pós-graduação em Toponímia Indígena na Universidade de São Paulo (USP).

“O correto é grafar o nome da cidade com ‘i’, conforme determina o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, criado pela Academia Brasileira de Letras”, explica a professora. No século 18, a grafia com “y” apareceu e foi mantida até 1943, ano em que a Convenção Ortográfica Brasil-Portugal extinguiu o “y”, o “k” e o “w” do alfabeto português.

A nova grafia, entretanto, não foi aceita pela comunidade paratiense, que, em sua maioria, seguiu utilizando o “y”. Essa situação perdurou até 1972, quando o senador Vasconcelos Torres apresentou o Projeto de Lei nº 25, determinando que a grafia das cidades e monumentos históricos mantivesse a forma ortográfica anterior às mudanças feitas pela Convenção Ortográfica. O projeto foi negado pelo Senado, que acabou, entretanto, acatando sugestão de que cidades e estados mantivessem sua grafia histórica. É por esse motivo que o Estado da Bahia é grafado com “h”. Assim, Parati é a grafia correta, mas Paraty não está errado.

PEIXE BRANCO
Parati, segundo o Dicionário Houaiss, é um peixe teleósteo, da família dos mugilídeos, cientificamente conhecido como Mugil curema. Ele é encontrado nos oceanos Atlântico e Pacífico leste e apresenta até 45 centímetros de comprimento. Também é conhecido por parati-olho-de-fogo, paratibu, pratiqueira, sauna-olho-de-fogo e solé. Parati, em tupi, significa “peixe branco” (pi’ra = “peixe” e tinga = “branco, claro”).


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