O espaço do meu bem

Beatriz Milhazes ganha duas exposições no Brasil, um catálogo de luxo e um filme. “Deu aquele clique e nunca mais olhei para o lado. Parecia que tinha recebido essa missão”, disse Beatriz Milhazes em uma agradável manhã em um de seus ateliês no Horto, zona sul do Rio de Janeiro. Ela não sabia que queria ser artista. Prestou vestibular para Jornalismo, História e Educação Física, e acabou escolhendo a primeira opção. Tinha apenas 19 anos quando entrou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e foi lá que o “clique” aconteceu. Isso na década de 1980, começo da abertura política no Brasil e quando alguns artistas ainda viajavam para o exterior para estudar ou trabalhar. Beatriz resolveu arriscar, e ficou no País.

Foto Isabella Matheus “Beleza Pura”, 2006, acrílica sobre tela

 Hoje, depois de uma trajetória de 30 anos, com participação nas Bienais de Veneza e São Paulo e realização de diversas mostras individuais em mais de 11 países, ela ganha a maior exposição panorâmica da carreira, no Paço Imperial, no Rio de Janeiro. São mais de 60 obras, entre pinturas, colagens e gravuras, vindas de museus internacionais, como Guggenheim, em Nova York, e de coleções particulares no Brasil, Buenos Aires, Paris, Berlim e Londres.

Essa é a primeira vez que as obras de Beatriz estão ordenadas em forma cronológica. Uma ideia que partiu do francês Frédéric Paul, que fez a curadoria dessa mostra no Malba, em Buenos Aires, e já tinha trabalhado com a artista na França. A exposição começa com Me Perdoa… Te perdoo, de 1989, do acervo do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e termina com Lavanda, de 2013, de um colecionador particular. A visita é uma oportunidade de ver a série monumental Gamboa Seasons (2010), formada por quatro telas que representam as estações do ano, e pertencem à Fundação Beyeler, na Suíça. Diante do imponente prédio histórico do Rio, o curador francês teve a ideia de pendurar um enorme móbile, nos moldes que Beatriz já fez para a companhia de dança da irmã, Márcia Milhazes. Frédéric contou que a operação não foi nada fácil, por se tratar de um prédio histórico, mas deu certo. Nasceu, então, o Praça XV, trabalho composto por cinco pequenos móbiles ornamentados com flores e elementos decorativos, pendurados em uma cúpula original do prédio, de 4 m de diâmetro. As obras no Paço são, em sua maioria, inéditas no Brasil.

Meu Bem, como está sendo chamada a exposição no Paço Imperial, é uma homenagem ao lugar onde a artista fez a primeira mostra individual institucional, em 1994. E também ao Rio, cidade onde mora e onde não expõe há mais de dez anos. Beatriz já havia usado o título Meu Bem em um livro de artista que criou para uma editora estrangeira, mas que não estará no Paço.

A ideia inicial era que a mostra fosse itinerante, e que todas as obras viessem do Malba, mas a logística complexa não permitiu. Sobre esse assunto, Beatriz lamenta não ter guardado trabalhos dos primeiros anos de carreira, o que facilitaria a montagem da exposição. “No fundo, você tem uma relação com o que fez, é a sua história, aquilo que construiu… Hoje, dependo de onde está a obra, dos colecionadores dizerem sim, além do alto custo para viabilizar”, diz. Aliás, ela também é realista quando o assunto é o valor de suas obras, que “nem ela consegue comprar”.

Apesar de ser a artista contemporânea mais valorizada do Brasil, Beatriz não faz pose. É disciplinada, exigente e grande gestora da própria carreira. Na conversa no ateliê, confessou que uma de suas dificuldades hoje é como organizar o vasto arquivo de obras espalhadas entre museus e coleções pelo mundo – muitas delas sem título e difíceis de identificar. Disso ela tira uma lição: nenhuma obra nova fica sem nome. A título de curiosidade, a artista já produziu mais de 500 obras desde o início da carreira. Após a temporada carioca, que acaba em outubro, a mostra ainda seguirá para o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, onde ficará até 23 de fevereiro de 2014.

Em novembro, a galeria paulista Fortes Vilaça também abre uma exposição com os últimos trabalhos de Beatriz, dessa vez totalmente abstratos. Ela contou que há muito tempo desejava representar os movimentos oculares por meio da pintura, e se inspirou no movimento Op Art da década de 1970. A artista também voltou a pintar em telas pequenas (50 cm x 70 cm), que, segundo ela, são sempre um grande desafio. “Não posso pintar uma composição dessa (aponta para uma tela nova) em uma tela menor, e a pequena também não pode ser só um detalhe dessa… Então, acaba que a pequena em si introduz novos temas”, diz.

Beatriz trabalha nos dois ateliês no Horto para fazer pinturas e colagens, mas há muitos anos que também usa o estúdio da Durham Press, na Pensilvânia, para criar gravuras. Aliás, foi lá nesse estúdio onde ela começou a criar outro novo desafio: escultura de metal. Com base na mesma ideia do móbile, a escultura é formada por três tipos de metal e pintura de elementos sobre alumínio. E, apesar de a artista já ter explorado inúmeras cores, disse que só agora começou a usar “tons muito difíceis”, como o marrom e o bege. Os planos não param. Em 2014, a editora alemã Taschen irá publicar um catálogo de luxo sobre o conjunto da obra de Beatriz, e também será lançado um documentário sob a direção de José Henrique Fonseca. O diretor, que começou a filmar em 2010, contou que ele e sua equipe acompanharam a artista em passagens por Paris, Berlim, Basel, Londres e Pensilvânia. Entre os entrevistados estão a mãe e a irmã, um dos primeiros professores dela no Parque Lage, o escocês Charles Watson, os curadores Adriano Pedrosa e Paulo Herkenhoff, o estilista francês Christian Lacroix e o fotógrafo peruano Mario Testino, amigos pessoais da artista.

Incansável, Beatriz Milhazes revelou que tira férias curtas, e que não fazia isso até pouco tempo atrás para não perder o foco. “Realimento uma área com a outra. Agora, estou no momento da pintura, mas não gosto de parar totalmente porque sempre tenho ideias. Esse problema eu não tenho. Alguns artistas entram em exaustão, eu não.”


Meu Bem – Beatriz Milhazes
Centro Cultural Paço Imperial – Praça XV de Novembro, 48 – Rio de Janeiro. Até 27 de outubro de 2013. De terça a domingo, das 12h às 18h. Entrada Gratuita.

Foto Vicente de Paulo “Me perdoa… Te perdoo”, 1989, tinta acrílica e colagem sobre tela


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