Uma mulher fascinante e à frente do seu tempo, Maysa Matarazzo, um dos nomes mais importantes da música brasileira, esbanjava talento. Mas, foi pela sua coragem e determinação em desafiar os padrões sociais de uma época, que ela fez história. O inconfundível timbre aveludado, aliado à melancolia de suas composições, conquistou fãs mundo afora e até hoje acalanta corações em desalinho. Retratar essa artista, que quebrou tabus, enfrentou oposições e adversidades em nome de um sonho, é o atual desafio do escritor Manoel Carlos. Ao lado do diretor Jayme Monjardim – filho único da cantora -, ele estréia em janeiro, na TV Globo, Maysa, a sua nova minissérie. E a tarefa torna-se ainda mais difícil quando é preciso reunir toda a sua rica trajetória em nove capítulos. “É maravilhoso escrever sobre uma personalidade tão controvertida, cheia de arestas e contrastes. Sua voz é absolutamente inimitável: suave e ao mesmo tempo clara e articulada, que em qualquer lugar que ouvir você reconhece”, diz Maneco, como é carinhosamente chamado pelos amigos. “Independentemente de ser minha mãe, Maysa é a história de uma mulher que, de alguma maneira, revolucionou o estado das mulheres”, diz Jayme Monjardim.
Bonita, culta e bem-informada, Maysa, que morou muito tempo na Espanha e em Portugal, ficou conhecida como a “Rainha da Fossa” devido ao tom melancólico das suas interpretações. Mas, internacionalmente, era chamada de “A Condessa Descalça”, por tirar os sapatos enquanto cantava. Cantora, compositora, atriz e apresentadora de TV, ela falava fluentemente francês, inglês e espanhol. Tachada de louca por desfazer o casamento com André Matarazzo, uma das maiores fortunas do País, seguiu em frente sem se intimidar: realizou seu sonho de ser artista, atingiu o sucesso cantando, ganhou dinheiro e rodou o mundo até entrar em decadência, perder tudo e terminar a carreira se apresentando em churrascaria. “Maysa emociona por sua ousadia, pela grande vontade de viver, vencer e saltar obstáculos. E assim foi longe fazendo tudo o que quis num curto período de tempo”, diz Maneco. Apaixonado pela artista, ele tem muitos dos seus discos e sabe cantar a maioria das letras, destacando seu maior sucesso “Meu Mundo Caiu”, e “Ouça”, música que ela compôs quando se separou de Matarazzo. Na sua minissérie “Presença de Anita”, apresentada pela mesma TV Globo em 2001, Maneco incluiu “Ne Me Quitte Pas”, sucesso de Edith Piaf, que tem extraordinária interpretação de Maysa. “Sempre a admirei, ela tem muita coisa linda. E me sinto honrado em fazer esse trabalho, a convite do seu filho”, confessa.
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Com a ajuda de sua fiel colaboradora Angela Chaves, Maneco pesquisou mais de 50 pastas de arquivo e deixa claro que a minissérie não é uma biografia rígida. “Pinçamos o que achamos dramaturgicamente mais interessante. Não vamos esconder que ela bebia, que tentou suicídio. Mas vamos contar as coisas mais relevantes em minha opinião, como autor, e na opinião do diretor, que é seu filho.” Apesar de a minissérie contar a trajetória pessoal e artística de Maysa, alguns aspectos retratados são puramente ficcionais. O objetivo do autor é captar a emoção dos personagens.
Alma libertadora
Educada em um colégio de freiras, em regime interno, Maysa sempre foi policiada de maneira ostensiva. Por isso, para viver como queria era obrigada a fazer tudo escondido. Aos 13 anos já se maquiava, numa época em que isso era impensável para uma menina dessa idade. Causou escândalo quando passou a fumar em público e a usar calça comprida na rua. Precoce em tudo, compôs “Adeus”, sua primeira canção, aos 15 anos. Como o grande sucesso de Frank Sinatra, “My Way”, Maysa acertou e errou, mas acima de tudo fez do seu jeito.
Aos 18 anos, Maysa casou-se com o multimilionário André Matarazzo, um homem 20 anos mais velho. E contrariando a regra social da época, ela fez questão que a união fosse com separação total de bens. Por isso, nunca herdou nada de seu marido. Logo após o casamento, ela morou por um tempo na mansão da família Matarazzo, na Avenida Paulista, em São Paulo, mas não se adaptou. “Quando queria ir à piscina, ela se escondia para que a sogra não a visse, porque já usava roupa de banho curta e naquela época as mulheres só vestiam maiô até o joelho”, diz Maneco. Devido a esses conflitos de comportamento, ela exigiu morar em outra casa, apenas com o marido. O sucesso do primeiro disco provocou uma crise em seu casamento, que culminou com a separação. A partir daí, vieram os problemas com a depressão e o álcool. Bonita, atraente e boa cantora, Maysa enfrentou uma barra ao pôr fim ao seu casamento. Foi um grande escândalo deixar o herdeiro dos Matarazzo, numa época em que não existia divórcio no País. Mulher separada era considerada largada.
Maysa não media esforços para ser feliz. Entre suas conquistas profissionais, está o fato de ter sido uma das primeiras cantoras brasileiras a divulgar a bossa nova no exterior. Em 1960, ela gravou músicas como O Barquinho, Ah! Se Eu Pudesse e Nós e o Mar, todas de Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal. Na vida pessoal não era diferente. Após um breve namoro com Bôscoli, Maysa divulgou à imprensa – sem o conhecimento dele – que iriam se casar. Tal anúncio provocou o rompimento do noivado de Bôscoli e Nara Leão. A intensa vida de Maysa terminou cedo, aos 40 anos, num acidente de carro na ponte Rio-Niterói, em 22 de janeiro de 1977. Apesar das várias versões (incluindo suicídio), sua morte foi uma fatalidade. Eram 17 horas, ela não tinha bebido e estava indo para sua casa em Maricá (a casa foi reformada recentemente por Monjardim). Ventava muito e o carro dela, uma Brasília, bateu numa pilastra. Socorrida, ela acabou morrendo a caminho do hospital. Estaria com 72 anos se estivesse viva. Assim como Chiquinha Gonzaga, sua rebeldia chocou a sociedade, mas inspirou mulheres na busca por uma vida mais plena, livre e feliz.
A minissérie
A história vai começar pelo fim: Maysa decadente cantando em uma churrascaria. As gravações começaram em agosto e a minissérie vai ao ar em janeiro de 2009, dividida em nove capítulos de 40 a 45 minutos cada. “É um projeto superpessoal. É uma história que há 30 anos eu me preparo para fazer. E acho que agora me sinto mais preparado, mais maduro”, afirma o diretor Jayme Monjardim. Atento a tudo, ele ainda encontra tempo, entre uma cena e outra, para fotografar o cenário e os atores. A seu lado, os filhos André Escobar Monjardim, 10 anos, e Jayme Matarazzo Filho, 22 anos, estudante de cinema e assistente de direção na minissérie. Eles representam o pai na trama: dos 7 aos 10 anos e dos 15 aos 20 anos, respectivamente. Irão viver e descobrir uma avó que nunca conheceram. Larissa Maciel, escolhida para interpretar Maysa, além de boa atriz, se parece demais com a cantora. “Quando o Jayme a conheceu, ficou impressionado com a semelhança”, diz Maneco. Larissa foi encontrada por um produtor de elenco, escalado para procurar, no Brasil inteiro, alguém que pudesse interpretar a cantora, e que, de preferência, tivesse alguma semelhança física. Foi em Porto Alegre que ele conheceu essa atriz de teatro, com 30 anos, muito parecida e com um rosto desconhecido do grande público. “O Brasil é um País muito sem memória. Eu acho que acabei me especializando um pouco em contar as histórias de mulheres brasileiras, como Chiquinha Gonzaga, A Casa das Sete Mulheres e agora Maysa”, diz Monjardim.
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