No tempo da antropofagia, o verbo comer não tinha conotação que tem hoje

Estou me deliciando com a coleção da Revista de Antropofagia editada em 1928 e 29. Era uma espécie de Pasquim. Só que em vez de desenhos do Jaguar e do Ziraldo tinha desenhos da Tarsila e do Di Cavalcanti. Poesias inéditas de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Ascenso Ferreira, textos de Oswald de Andrade, Mario de Andrade (que ali publicou o primeiro capítulo de Macunaíma). Há informações preciosas, tais como: em 1929 havia 75% de analfabetos no Brasil. E notinhas estapafúrdias mas verdadeiras como a do cidadão que convidou os amigos para um almoço em casa e então anunciou uma surpresa: explodiu-se com dinamite (que também atingiu os mais próximos). Oswald era um azougue.

No mesmo ano da primeira transmissão de televisão, em Nova York, ele já fala nela no Manifesto Antropófago (publicado no número da 1 da Revista) e que começa assim (na grafia original): “Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César. A fixação do progresso por meio de catálogos e apparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.” Assim como no Pasquim, as estrelas começam a se devorar com o passar do tempo. Os editores da segunda dentição (1929) esculhambam com seus antecessores, inclusive com Mario de Andrade, com Antonio de Alcântara Machado (editor da primeira dentição), assim como Millôr esculhambava Tarso de Castro e vice-versa. Mas tem uma coisa diferente do Pasquim. O verbo comer não tinha a conotação sexual que tem hoje. Eles o empregam no sentido antropofágico: “eu comi Olavo Bilac” etc etc. Imagina se no Pasquim alguém dissesse isso a respeito de um homem!


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