O show tem que continuar

Luiza Sigulem
Pequeno e receptivo – O Puxadinho da Praça, na Vila Madalena, promove shows quase todos os dias da semana

Durante os últimos anos, se alguém perguntasse para o membro de uma banda independente brasileira qual era a casa de show em que costumava – ou desejava – se apresentar em São Paulo, o mais provável é que ele respondesse: Studio SP. Fundada em 2005, sediada primeiramente na Vila Madalena e, depois, no Baixo Augusta, o espaço foi por um bom tempo a principal opção para shows de bandas autorais de pequeno e médio portes na capital paulista. Mesmo tendo recebido críticas em alguns momentos – por falhas na estrutura ou pela curadoria musical ter se tornado mais comercial ao longo do tempo –, o Studio SP inegavelmente fez história na cidade e mostrou um caminho diferente para o mercado musical independente. “Acho que o Studio provou que era possível criar uma cadeia autossustentável baseada no tripé banda, casa e público. Quando abrimos, praticamente não existiam casas que dessem espaço para música nova e autoral ou investissem na formação e no lançamento de artistas”, afirma Alexandre Youssef, um dos sócios do local.

Em maio deste ano, porém, o Studio SP fechou as portas – manteve apenas a sede carioca (Studio RJ) –, fato que assustou muitos frequentadores da noite paulistana. Os principais motivos, segundo Youssef, foram a falta de apoio do poder público e a forte especulação imobiliária na região, além da opção dos sócios por outros rumos profissionais. Mas antes mesmo que bandas e público pudessem se sentir “órfãos”, a cidade mostrou que é, atualmente, diferente do que em 2005, e outros pontos rapidamente passaram a ocupar o espaço deixado. De volta ao questionamento inicial, se alguém perguntar para o membro de uma banda independente do País qual é a casa de show em que costuma – ou deseja – se apresentar hoje em São Paulo, certamente as respostas serão muito mais variadas: Serralheria, Mundo Pensante, Puxadinho da Praça, Baixo, Casa do Mancha, Centro Cultural Rio Verde, Casa do Núcleo, Casa de Francisca, etc. Vários espaços, em geral menores do que era o Studio (que abrigava 450 pessoas) e com grandes diferenças entre si, passaram a abrigar nos últimos tempos a efervescente cena musical independente brasileira. Como diz o próprio Youssef: “O show deve continuar”.

Luiza Sigulem
Palco na Lapa – Bandas como o Grand Bazaar entram na programação eclética da Serralheria

Cena produtiva

“Acho que o momento está muito propício para a abertura de novos espaços, pois as pessoas estão se cansando das mesmas coisas e procurando algo diferente. Algo que faça pensar!”, diz Paulo Papaleo, criador do Mundo Pensante (MP), local para shows e atividades culturais no Bixiga. A casa, inaugurada em dezembro passado, e a Serralheria, aberta na Lapa desde 2009, talvez sejam duas das mais destacadas do circuito alternativo da cidade. Com capacidade para cerca de 250 pessoas cada, já receberam desde artistas da nova geração, como Tatá Aeroplano, Banda Eddie, Passo Torto, Filarmônica de Pasárgada, Loungetude 46, Pitanga em Pé de Amora, DizMaia, Afroelectro, Memórias de Um Caramujo, Gustavo Galo, Meno Del Pichia e Bárbara Eugênia, até nomes mais consagrados, como André Abujamra e Arrigo Barnabé – boa parte deles, antigos frequentadores do palco do Studio SP.

Ainda mais intimista, na Vila Madalena, o recém-aberto Puxadinho da Praça tem angariado frequentadores assíduos, com shows quase todos os dias e um espaço que deixa público e músicos a palmos de distância. O Terno, Druques, Pélico, Grand Bazaar, Rafael Castro, Primos Distantes e Doideca, além de diversas bandas instrumentais, já passaram por lá. A poucas quadras dali, a Casa do Mancha, inaugurada há alguns anos em uma pequena residência na Vila, também convida músicos como Curumim, Felipe Cordeiro, Garotas Suecas, Do Amor, Holger, etc. Para o leitor que não ouviu falar em boa parte dos artistas aqui citados, vale dizer que são alguns dos músicos que se destacam atualmente no segmento independente, com trabalhos de boa repercussão fora do circuito das grandes rádios e casas de show e que, por vezes, conseguem também destaque na mídia – arrancando elogios da crítica e de renomados artistas do País.

Mundo pensante
Som no Bixiga – Com boa curadoria, o Mundo Pensante se destaca entre os pontos musicais de São Paulo


Dificuldades de mercado

Com esses e outros locais para shows, São Paulo não parece estar carente no setor alternativo. Mas os donos das casas ressaltam, de forma unânime, que não há vida fácil para estabelecimentos pequenos e independentes. “Abrir um negócio desses com pouco capital é para poucos”, diz o gestor cultural Miguel de Castro, da Serralheria. Apesar de a casa da Lapa mostrar um caminho bem-sucedido, com público frequentador regular, todos os quatro sócios possuem outra profissão, com as quais se sustentam. Por hora, o negócio consegue basicamente se sustentar e reinvestir na própria estrutura. Um dos donos do Puxadinho da Praça, Fernando Tubarão afirma, com bom humor, que nunca passou tanta dificuldade financeira na vida. “É feito muito por amor mesmo…”

Como explicam os donos, muitas das bandas independentes não trazem grandes públicos. Mesmo quando o fazem, o preço dos ingressos cobrados não pode ser muito alto. “Estamos no processo de fazer com que o nosso público esteja mais interessado em pagar bem pelas atrações culturais do que gastar muito com bebidas, mesmo que o bar ainda seja a maior circulação de renda da casa”, diz Papaleo. Além disso, faltam verbas para que as casas paguem anúncios publicitários em revistas, jornais e guias, o que torna as redes sociais como Facebook e Twitter, além do boca a boca, os principais meios de divulgação.

Para dificultar, parte dos artistas, quando ganha maior destaque – e poderia, assim, levar mais frequentadores dispostos a pagar mais –, deixa de tocar nesses locais, que não têm condições de oferecer grandes cachês. Nomes como Tulipa Ruiz, Criolo ou Emicida, por exemplo, se apresentavam com frequência no Studio SP antes de passarem para espaços maiores ou para o circuito SESC. O papel dos pequenos e médios estabelecimentos segue sendo o de lançar grupos e manter um espaço para a música alternativa, sem tanto apelo comercial. Ainda assim, há uma vontade de alguns dos donos e curadores de aproximar os artistas mais consagrados, mesmo que por motivos que não o dinheiro: “Nem todo grupo toca na Serralheria por conta do cachê tirado da porcentagem da bilheteria. Toca porque serve para outras coisas: novos públicos, proximidade, ensaio aberto, experimentar outras propostas ou formatos de som”, diz Castro. É o que também pretende estimular Tubarão, no Puxadinho. Ele lembra que em vários outros países, grandes artistas se apresentam em pequenas casas, para fazer experiências mais intimistas.

Frâncio de Holanda
Fez história – Entre 2005 e 2013, o Studio SP recebeu centenas de shows, como o da cantora Tiê

Diálogo com o entorno

Assim como foi característica forte do Studio SP durante seus anos na rua Augusta, algumas dessas casas de show também se propõem a estabelecer um diálogo frutífero com a região onde estão situados e com as suas comunidades. “Não tínhamos ideia do tamanho do processo de revitalização que aconteceria na Augusta, mas nos orgulhamos da atitude militante da casa, que desbravou rumo ao centro da cidade e, junto com outras casas, praticamente criou um bairro: o Baixo Augusta”, relembra Youssef sobre o Studio, que organizava shows gratuitos, promovia um bloco de carnaval de rua e convidava artistas para trabalharem nas ruas da região. Nessa mesma linha, o Puxadinho da Praça, além dos eventos que já realizou abertos para a rua, chama pintores e grafiteiros para trabalharem nas paredes externas, criando um pequeno ponto de arte nas ruas da Vila.

O Mundo Pensante é, hoje, talvez o melhor exemplo de casa que propõe uma relação forte com o seu bairro, o Bixiga. Importante incentivador disso, Papaleo também convida regularmente artistas para intervirem no entorno do estabelecimento e, além disso, já está iniciando uma articulação com políticos e com a subprefeitura para realizar eventos de rua. “Como já dizia Leon Tolstói, ‘se queres ser universal, começa por pintar tua aldeia’. Nós estamos pintando a nossa aldeia Bixiga, pois acreditamos que estamos num ponto da cidade que tem um potencial enorme e que precisa de uma revitalização”, afirma ele.

“Pintar” seus bairros, promover a música independente e se esforçar para fechar as contas. As novas casas de shows mostram a grande disposição de alguns empreendedores da cidade para estabelecer de vez um circuito alternativo forte. Os donos, por vezes, ainda precisam ser também barmans, técnicos de som e até faxineiros. Para Tubarão, vale a pena: “Apesar disso, a satisfação é muito grande. Tenho a sensação de que estamos fazendo parte de um momento importante da história, da resistência da música autoral. Talvez seja algo como foi um dia o Lira Paulistana em São Paulo ou o Beco das Garrafas no Rio…”


Comentários

Uma resposta para “O show tem que continuar”

  1. Faltou também mencionar o Vozes do Porão, que acontece bem no centro de São Paulo, ali na rua Riachuelo, no porão da Faculdade, que mensalmente sempre leva expoentes da mais pura música autoral … Vale a pena conferir!

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