A opção de crescimento

Há séculos os economistas tentam desvendar os mistérios do fato de poucas nações tornarem-se prósperas e a maioria permanecer pobre. O esforço tem produzido um melhor entendimento, mas os mistérios do crescimento e da prosperidade das nações continuam sem solução. As experiências bem-sucedidas de países pobres que se tornaram prósperos não podem ser imitadas em outros: os modelos de desenvolvimento da Coreia do Sul, dos Estados Unidos ou da China não podem ser adaptados para o Brasil. Há diferenças culturais em relação ao progresso material das sociedades e à organização e representatividade das instituições político-jurídicas das nações. Esses valores nacionais são determinantes na implementação de políticas de crescimento e de desenvolvimento.

Desde 2010 ocorre uma crescente avalanche de críticas locais e internacionais sobre a política de crescimento do Brasil. É verdade que a economia brasileira perdeu o dinamismo do crescimento nos últimos dois anos, mas isso não significa que a política econômica tenha “danificado tudo” o que se construiu, tampouco que o “País esteja enfermo”1. São alegações mediáticas e, portanto, enganosas por estarem desprovidas de fundamentos, de perspectivas das transformações e das superações nacionais e internacionais.

Ao longo de anos de estudo e reflexões sobre o crescimento da economia brasileira, adquiri ao menos um entendimento melhor sobre os erros e acertos da política de desenvolvimento. Se é importante reverenciar os ensinamentos de Albert Hirschman (1915-2012) na escolha de política que provoque o desequilíbrio regenerador, neste século da globalização do conhecimento e da competitividade, deve-se também ressaltar os ensinamentos de Justin Yifu Lin2. Este considera, como o primeiro degrau do crescimento rumo à prosperidade, o direcionamento da política econômica à exploração plena das vantagens competitivas da nação. Para tanto, importa construir, inicialmente, os alicerces desse intento: (1) infraestrutura e logística, e (2) hábeis trabalhadores, ambos capazes de tornar a produção nacional produtiva, inovadora e competitiva em relação aos mercados globais. Esse norteamento organizará todos os demais setores, bem como possibilitará a realização das reformas econômicas (fiscal, tarifária) possíveis e amplos acordos comerciais para maximizar nossas vantagens competitivas.

Até pouco tempo atrás, seja em países desenvolvidos ou emergentes, propor política industrial era sinônimo de atraso. Vigorava a ideologia do capitalismo liberal, que se consubstanciou no receituário do Consenso de Washington: livre mercado, governo mínimo, desregulamentação dos mercados financeiro e real, redução das barreiras tarifárias e câmbio flutuante. Esses princípios consistiam nos principais pilares para a prosperidade das nações emergentes e foram adotados em muitos países (inclusive no Brasil de FHC), que desconsideraram as pedras existentes sob as águas na travessia do rio das reformas econômicas, sociais e institucionais. Ao desconsiderar a importância da regulamentação e do papel do Estado na globalização, o mundo enfrentou uma das maiores crises econômicas após a Grande Depressão do início do século passado. Ironicamente, a crise do liberalismo começou nos Estados Unidos e alastrou-se para a Europa e outros países em 2008.

O governo de FHC e seus membros mais representativos surfaram nas ondas do liberalismo econômico, acreditando que o mercado por si, a mão invisível dos agentes econômicos, é capaz de reduzir a ineficiência econômica e social. Ingenuidade intelectual. Felizmente, a ideologia liberal está morta.

Há uma nova característica do capitalismo global que norteará as políticas públicas e empresariais na competitividade global: há um realinhamento de acordos comerciais bilaterais que promoverá um novo equilíbrio de poder entre os países, sob o qual será construído um conjunto de nações com elevada eficiência produtiva das empresas, das instituições públicas e da representatividade social.

O Brasil está traçando seu novo rumo para se tornar uma nação eficiente. Os verdadeiros pilares estarão centrados no desenvolvimento de uma nova infraestrutura e logística para gerar as condições básicas à exploração das vantagens competitivas do País, conforme preconiza Justin Yifu Lin. Nos próximos cinco anos, serão investidos mais de R$ 500 bilhões na edificação de novas rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, interligando a produção nacional do agronegócio e da indústria nacional e tornando-a competitiva globalmente. Serão construídos 7,5 mil km de estradas e 10 mil km de ferrovias; serão reformados mais de 19 portos e quatro aeroportos internacionais; serão criados mais de 400 aeroportos regionais e um número equivalente será reformado.

A capacidade instalada de energia passará de 116 mil MW para 182 mil MW em 2021, com investimentos em geração e transmissão em torno de US$ 74,5 bilhões, ou R$ 171 bilhões. Todos esses investimentos permitirão que o nível de investimento aumente dos atuais 18,5% do PIB para 24% do PIB em 2022. Ademais, teremos o fator mais importante de transformação, de recuperação da dinâmica da produção e da inovação nacional: os investimentos na exploração do petróleo e do gás no pré-sal. Serão mais de R$ 450 bilhões nos próximos dez anos. Esses dois grandes projetos de investimentos apresentarão novos desafios: demandarão, direta e indiretamente, mais de dois milhões em mão de obra até 2020.

Essas mudanças possibilitarão a realização das reformas mais prementes, como a redução da carga tributária equivalente à dos países emergentes e a flutuação da inflação e dos juros reais nos níveis do mercado internacional. Em resumo, o País criará todas as condições para crescer a uma taxa sustentável entre 4% e 4,5% ao ano até 2022, podendo manter uma taxa média de crescimento de 3,8% ao ano entre 2014 e 2040.

Nenhum país cresce ou se torna próspero sem uma clara estratégia de inserção econômica global competitiva. Portanto, não será a taxa de câmbio que fará o milagre do crescimento ou da recuperação do dinamismo da produção industrial; será a eficiência da infraestrutura e da qualidade dos fatores de produção que assegurará os ganhos das vantagens competitivas do Brasil. Mesmo assim, os esforços das políticas de investimentos e de modernidade poderão se deparar com um imenso obstáculo à sustentabilidade da prosperidade econômico-social e institucional: a visão míope da política comercial brasileira no tocante às oportunidades que os acordos bilaterais entre nações poderão trazer ao País.

A economia mundial está se realinhando por meio de novos acordos regionais e bilaterais de comércio, explorando as vantagens competitivas de cada país. Estão se consolidando acordos de comércio e de serviços com vista à sua expansão, como os do Transpacífico (EUA, Japão, Nova Zelândia, Chile, Peru, México, Canadá, Cingapura e Malásia), do Atlântico (EUA e Europa), do TISA, um acordo direcionado a melhora e a expansão do comércio de serviços – inclui 23 países mais os 27 da União Europeia, e da ASEAN um bloco econômico de dez países do Pacífico Asiático com acordo de cooperação com a União Europeia; entretanto, o Brasil está fora de todos esses entendimentos comerciais e se mantém amarrado às dores do atraso do Mercosul, especificamente da Argentina.

O primeiro passo na direção da abertura comercial seria uma clara definição de acordos comerciais, tecnológicos e culturais com os Estados Unidos. O que tem dificultado a discussão desse novo Brasil tem sido, de um lado, a ideologia liberal tupiniquim dos discípulos de Adam Smith e, de outro, a crença de alguns na força do capitalismo estatal, esquecendo-se da ideologia do “bolo”, da estatização da produção e do isolamento econômico dos militares brasileiros que levaram o País às décadas perdidas. A falta de uma visão pragmática abre espaço para o lado mais fácil: uma avalanche de críticas à política econômica desprovidas de visão do entorno e do futuro do País. Esse viés político-partidário-ideológico em nada ajuda o direcionamento e o entendimento da classe empresarial brasileira, necessário para lastrear seu futuro no mercado de capitais e o desvincular dos recursos federais.

Não obstante, o chamado do governo federal aos capitais e tecnologias nacionais e internacionais para o desenvolvimento de infraestrutura e logística e para a exploração do petróleo e do gás constitui um avanço cultural para a abertura do País, na medida em que haverá compartilhamento de responsabilidades na busca de maior eficiência do capitalismo nacional.

*Ernesto Lozardo é professor de Economia da EAESP-FGV, autor do livro Globalização: A Certeza Imprevisível das Nações, entre outros.


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