Entrevistar Bira requer alguma prática. São mais de 50 anos de vida artística contada em apenas duas horas, entremeadas de causos, gargalhadas – famosas em todo o Brasil – e muita informação musical. Casado há 40 anos com a também baiana Alzeni, é pai de Daniel, Danilo, David e Tânia, e avô de três netos. Aos 73 anos, Bira é um verdadeiro “Google” do mundo da música da metade do século XX para cá, contando mais histórias sobre colegas do que dele próprio, enquanto vai lembrando desde o início da carreira como cantor na Bahia até a vinda para São Paulo, no final da década de 1960.
Quem sempre viu o músico com um baixo elétrico, nos mais de 40 anos de São Paulo, não imagina que, no início da carreira em Salvador, ele preferia exercitar as cordas vocais. Fã de samba-canção, bossa nova, jazz e bolero, somente agora, em razão dos 50 anos da bossa nova, é que Bira resolveu retornar a função de cantor com o grupo Bira Bossa Jazz. Ao seu lado, o amigo e parceiro Osmar Barutti, pianista e companheiro de programa do Jô Soares. Aliás, parece que foi ontem, mas são 20 anos de gargalhadas com o gordo mais famoso do Brasil. E põe aí 29 anos com Silvio Santos. Bira foi colega de trabalho de Silvio Santos de 1970 a 1999, e começou a tocar com Jô Soares em 1988, acumulando as duas funções por 11 anos.
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Em 1961, cantava no quarteto da boate Montecarlo e depois foi cantar no Hotel da Bahia, com o trio do pianista Jessildo Caribé, da família do pintor argentino/baiano. Nessa época, ele conta que o local era o grande palco por onde desfilavam Elizeth Cardoso, ZimboTrio e Wilson Simonal, entre outros grandes nomes da música brasileira. “Lá vi o Luiz Chaves, do Zimbo Trio. Não sosseguei enquanto não aprendi a segurar no contrabaixo da mesma forma que ele. Vendo isso, o Luiz Chaves disse que eu levava jeito e me incentivou a estudar. Pergunta se eu estudei?”, diz.
Cinco anos antes disso, em 1956, Bira, prestes a entrar no Exército, iniciava a carreira cantando no grupo Quinteto Melódico Itapuã quando foi convidado para se apresentar num clube da cidade de Senhor do Bonfim, próxima a Juazeiro. Sentado, esperando para cantar, um rapaz tímido, calmo, era uma das atrações. Vinha precedido de alguma fama, pois tinha passado pelo Rio de Janeiro e convivido com os grandes músicos do início da década de 1950. Era João Gilberto que, dois anos depois, revolucionaria a música brasileira cantando “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinícius, dando início ao ritmo musical que colocou o Brasil para sempre no contexto mundial da música. Bira nunca mais reviu João.
A vontade de cantar profissionalmente mesmo surgiu quando foi convidado a ouvir o disco de um trompetista americano que também cantava. Era Chet Baker. Disse em alto e bom som: “Quero cantar assim, um dia na vida.” Em 1959, entusiasmado com a chegada da bossa nova, Bira participou ao lado dos então desconhecidos Gilberto Gil e Caetano Veloso do I Festival de Bossa Nova da Bahia. Passou também a ouvir músicas de outras praças, como o Rio de Janeiro, e acabou ficando fã do grupo Os Gatos. “Era um conjunto maravilhoso com Durval Ferreira, Bebeto, Eumir Deodato e Hélcio Milito. O Luiz Eça se revezava com o Eumir.” O auge da bossa nova Bira viveu na sua Bahia. Os grandes músicos viajavam para lá e os conterrâneos também não faziam feio. Ele lembra que de 1961 a 1967 não faltou trabalho. “Em Salvador havia três casas de chá onde as orquestras tocavam às tardes. A coisa era tão boa que os músicos que excursionavam por lá nos perguntavam por que queríamos tanto sair da Bahia.”
E Bira saiu. Foi para São Paulo a passeio e acabou ficando. “Um frio que vou te contar. Cheguei de ônibus e já fiquei com vontade de voltar na mesma hora.” Bira tinha como meta inicial morar na cidade maravilhosa. Mas um contratempo manteve Bira na cidade da garoa. E foi em São Paulo que conheceu um outro contrabaixista de grande talento que ia mudar definitivamente a vida do músico: Manoel Luiz Lameira Viana, mais conhecido como Chú Viana. Freqüentador assíduo do lendário Ponto dos Músicos, na esquina da Avenida São João com a Avenida Ipiranga, o irreverente Chú Viana apadrinhou Bira. Um dia, foram a um clube e ficaram sabendo que o Chacrinha procurava contrabaixista. Chú indicou Bira. Como não tinha baixo elétrico, Bira arrumou um emprestado do músico José Roberto, o “Branco”.
Aprovado no programa do Chacrinha, ficou tocando com o instrumento emprestado. Seis meses depois, Chacrinha resolveu levar seu programa para o Rio de Janeiro e Bira permaneceu em São Paulo. Em 1970, foi convidado para trabalhar no programa Silvio Santos e, desde então, passou a ter emprego fixo. Entrou para a banda do Jô Soares e foi nesse grupo que formou uma de suas maiores amizades. O pianista Osmar Barutti é parceiro, amigo e vizinho de Bira há 18 anos. Incentivador do instrumentista e cantor, o maestro Osmar afirma que Bira é humilde a ponto de estudar canto. “Ele é um cantor excelente, mas é perfeccionista”, diz. “Outro dia, o Jô recebeu a atriz Edel Holz, cujo nome de solteira era Edelweiss Lemos. De improviso, o Bira cantou a famosa música americana que tem o mesmo nome da moça. Todo mundo ficou arrepiado”, lembra Barutti.
E foi a dupla de amigos que teve a idéia de montar o Bira Bossa Jazz. Na excursão pelo Brasil, eles ainda têm a companhia de Elias Pontes, na bateria, Marcos Teixeira, na guitarra, Hugo Cardoso, no baixo, as cantoras – mãe e filha – Maria Rosário e Gabriela Feliciano, e Beto Campos, na produção artística. No repertório estão “Chega de Saudade”, “Garota de Ipanema”, “Barquinho” e “Wave”, desfiada no palco por um remoçado Bira, que mostra que não é só bom de contrabaixo, de gargalhada e de causos, mas também de gogó.
Bira por Miéle* Bira é da Bahia. Portanto, como vários baianos, não nasceu, mas estreou. O Bira veio para São Paulo. Era jovem, mas não era guarda. Tinha bossa, mas não era nova. Já vinha de algum tempo nas cordas de seu plangente contrabaixo. Muitos artistas passaram a preferir cantar com ele do que mal acompanhados. Até que ele e o Jô descobriram um ao outro. “Viva o gordo, gritou o Bira. Viva o Bira, gritou o Jô.” O Bira deu uma gargalhada que ficou tão famosa que vive de rir até hoje, porque acha que morrer de rir não tem graça nenhuma. Eu também já tive a sorte de cantar acompanhado pelo Bira. Foi no SBT, e lembro que a música foi “My Funny Valentine”, um grande sucesso da música americana. Cantamos em ritmo de bossa nova. Portanto, bossa e jazz. Agora, o Bira formou uma banda e virou Bira Bossa Jazz. E conta histórias, pois é bom contador, e canta, pois é cantador. Ao lado do Osmar, ao piano, e mais bateria, guitarra, duas cantoras e um outro contrabaixista, que acompanha o Bira quando ele está como crooner. Portanto, agora Bira solta a voz nas estradas. Botou o próprio bloco na rua. E eu, sempre que possível, vou atrás porque gosto do Bira até como artista. Aliás, Bira é da Bahia, e é como o acarajé. Todo mundo gosta. *Luiz Carlos Miéle, produtor e diretor de shows |
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