Inspirado no conto-reportagem “Um Dia No Cais”, do escritor João Antônio para a revista Realidade, Leonardo Fuhrmann passou uma semana hospedado em um hotel na Zona Portuária de Santos. A reportagem completa foi publicada na edição 16 da Brasileiros.
Confira os bastidores da reportagem, revelados por Fuhrmann:
Mais um “homem de firma”
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“Uma semana antes da viagem, um passeio pela região ajudou a escolher qual seria o hotel ideal. Foi também uma forma de começar a entender o dialeto local. Procurava um quarto na condição de “homem de firma”, alguém que vai ao porto a trabalho e que deve usar a cama para dormir mesmo. A situação ajuda a negociar melhor o preço. Um quarto cuja diária sairia por R$ 40,00 acabou ficando por R$ 25,00, com pagamento adiantado.
Mas o uso da expressão revelou outras utilidades: foi com uma prostituta, aparentemente bêbada, que resolveu acompanhar o repórter quando este foi conhecer o quarto de um dos hotéis. Ainda no elevador, ela tirou o vestido e começou a apresentar seus dotes, indiferente às negativas. A única frase que a convenceu a parar foi a de que o repórter era “de firma”.
Segundo os donos de hotéis, os “de firma” são trabalhadores de empresas que prestam serviços temporários no porto, como manutenção de máquinas e equipamentos. No Hotel Fátima, por exemplo, eles ficam hospedados no primeiro andar e a alta rotatividade fica preferencialmente no segundo andar.
Escolhido o hotel, o repórter resolveu confirmar a reserva de um quarto um dia antes da viagem:
– Boa tarde. Eu vou para aí amanhã e quero saber se tem quarto, se não há algum problema, se preciso fazer reserva – explica ao telefone.
– Pode vir. Pagando não tem problema nenhum – responde a atendente.
A escolha do lugar para ficar hospedado era um ponto crucial para a apuração. O critério era ficar em um hotel de onde se pudesse acompanhar os vários momentos da região e cavar possíveis personagens. Uma imersão com alguma segurança e, com sorte, um mínimo de conforto.
Amigos e outros contatos em Santos não foram de grande ajuda nesta fase. A resposta era padrão: “Não rola de ficar hospedado na zona portuária. O melhor é pegar um hotel na orla e ir e voltar todos os dias”.A afirmação vinha sempre cercada sobre explicações sobre pulgas e prostitutas. Passada a viagem, é possível dizer que nenhuma das “categorias” causou grande incomodo.
A reportagem foi feita só se identificando como jornalista a serviço da revista Brasileiros quando necessário. Na maior parte do tempo, o repórter tentava conversar com as pessoas sem revelar seu objetivo, apenas se identificando ao final, quando dizia que pretendia reproduzir a conversa e perguntava se a pessoa concordava em ser fotografada. As anotações das conversas geralmente eram feitas depois, sozinho no quarto.
Quando perguntado sobre seus objetivos ou o que fazia lá, o repórter dizia a verdade. A proposta foi ser discreto, mas jamais mentir aos entrevistados ou tentar assumir algum disfarce. Em alguns momentos, a pele pouco acostumada ao sol e os olhos verdes podem ter atrapalhado um pouco, mas em pelo menos um momento ajudaram bastante. Dentro de uma boate, a garota de programa que só gosta de atender europeus confundiu aparência com nacionalidade e acabou virando personagem.
– Hello – ela puxou a conversa.
– Oi
– Você fala português?
– Praticamente desde que eu nasci.
O mesmo tipo de confusão causou um momento estranho no Cine Fugitive. O repórter queria saber se haveria um show de strip-tease ao vivo ou só a apresentação de filmes. O balconista pediu ajuda a um colega, também brasileiro, que respondia a todas em inglês, indiferente ao fato das perguntas serem em português.
Ajudado por todas as recomendações de cuidado dos entrevistados mais preocupados, o repórter voltou para a redação sem passar por nenhum incidente. E escreveu a reportagem para a edição de novembro.”
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