Guerra dos tronos à brasileira

Laurentino Gomes Foto: Alexandre Battibugli
Há dois motivos para surpresa perante o estrondoso sucesso comercial da série de livros de Laurentino Gomes, que agora culmina com este 1889. Um deles é que não era comum, até então, ver livros de História do Brasil atraindo tantos leitores. O outro, que a chancela de best-seller tenha (finalmente) recaído sobre um livro bem escrito.

Uma explicação está no modo como Laurentino Gomes apresenta os fatos históricos. Longe da rigidez acadêmica, ele impõe o ritmo de urgência e dinamismo do texto jornalístico, fluído e acessível, o que torna a leitura saborosa.

Como em um Guerra dos Tronos à brasileira, a conspiração, o contexto social, cultural e político da época, as traições, oportunismos e banhos de sangue que se sucederam à queda da Monarquia, são vistos pela ótica de seus principais atores (cada capítulo é conduzido por um deles, em um lance de engenhosidade do autor).

Os personagens, aqui, têm carne, osso e sangue: dos conspiradores Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva e Silva Jardim – nomes, em geral, mais conhecidos como ruas – aos membros da realeza brasileira e integrantes do Exército, verdadeira fogueira de vaidades.

Uma figura, contudo, atravessa a obra se sobrepondo aos demais: o imperador D. Pedro II. Da infância infeliz à maturidade melancólica, sempre afundado em livros, um dos homens mais cultos do século 19 – amigo pessoal de Victor Hugo e Graham Bell – viveu a ironia trágica de governar um país escravocrata e atrasado. Sua reação, ao ser informado da abolição da escravatura quando convalescia na Itália, é de um alívio desesperado, o qual, anos depois, refletiu-se em sua resignação com a queda.

Falo do livro como se fosse uma obra de ficção ricamente trabalhada, contudo é bom ressaltar: ao contrário da recente onda de releituras “politicamente incorretas” da História, e de biografias políticas feitas a toque de caixa e ao gosto do freguês, Gomes se sustenta solidamente nos fatos. Mantém uma neutralidade heroica perante a tentação de analisar paralelos entre o golpe militar que derrubou D. Pedro e outros que se sucederiam ao longo da história brasileira no século 20, com repercussões sentidas até hoje.

Mas se cabe ao autor evitar tais paralelos, o leitor tem a obrigação de procurá-los: a chave para entender o Brasil de hoje, como aponta Gomes, está em compreender sua origem. Fica claro, por exemplo, que o duelo de forças entre os detentores do poder à época fosse entre grandes fazendeiros sentindo-se “traídos” pelo fim da escravidão, militares doutrinados pelo positivismo ou a imprensa comprometida com tudo, menos os fatos (como a própria Proclamação da República, “noticiada” para terminar com a hesitação de Deodoro da Fonseca). Nunca incluiu a população em si, o que é muito revelador do Brasil atual. Ou seja, a roda do poder girou, mas nunca saiu do lugar.

*Escritor, acaba de lançar Quatro Soldados, pela Não Editora


Comentários

Uma resposta para “Guerra dos tronos à brasileira”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.