O reforço à privacidade dos usuários é um dos pontos que a pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (CTS-FGV), Marília Maciel, considera como um dos mais positivos do Marco Civil da Internet, cujo texto está sendo discutido hoje (6) na Comissão Geral da Câmara dos Deputados, em Brasília.
O relator, deputado Alessandro Molon, reforçou dispositivos que abordavam o tema no texto inicial do marco civil. “O texto do marco civil trata agora, de modo bastante claro e específico, que as comunicações e os dados pessoais dos usuários armazenados no Brasil são invioláveis e só podem ser acessados mediante ordem judicial”, disse Marília, em entrevista à Agência Brasil.
O texto pede também às empresas que forneçam informações claras aos usuários sobre o tratamento que vai ser dado aos dados pessoais fornecidos no momento da assinatura do contrato de prestação de serviços na internet ou com plataformas da internet. “É preciso que a gente saiba de antemão, na hora que vai concordar com aquele contrato, que, muitas vezes é de adesão, quais são os usos que vão ser feitos daquelas informações pessoais”.
O novo texto adverte que os contratos serão nulos se não respeitarem dispositivos básicos de privacidade, além de apontar que a legislação brasileira será aplicada, mesmo se esses dados e essas comunicações estiverem armazenados fora do Brasil. “A gente ganha uma garantia que, não importa a jurisdição, a legislação brasileira sobre privacidade será aplicada”.
A pesquisadora do CTS-FGV salientou, porém, a necessidade de que, após a aprovação do marco civil, seja aprovado com presteza pelo Congresso Nacional o projeto de lei de dados pessoais, que é mais amplo e trata também de relações de consumo fora da internet. O projeto prevê, ainda, a criação de uma autoridade que vai supervisionar se os dispositivos de privacidade estão sendo cumpridos ou não.
O segundo ponto interessante no novo texto, segundo Marília Maciel, é o que trata da garantia do princípio da neutralidade de rede. “Isso quer dizer que, se eu compro um pacote de 1 mega ou de cinco mega de internet, o uso que eu vou fazer desses meus mega de velocidade depende das minhas escolhas. Não é o operador que vai dizer o que eu posso acessar. Eu comprei tantos megas e posso acessar texto, vídeo ou fazer um curso de ensino a distância online”.
O assunto é polêmico, disse, porque muitas empresas alegavam que deviam ter o direito de vender pacotes diferenciados, com preços também diferenciados. Marília avaliou que esse modelo inviabiliza um processo amplo de inclusão social no país. “Porque as pessoas de mais baixa renda, naturalmente, contratariam pacotes mais baratos e esses pacotes só dariam acesso a alguns aplicativos na internet e somente textos. E a gente sabe que o usuário de internet no Brasil não acessa só textos. Pelo contrário. Até acessa mais vídeos e as redes sociais”.
O novo texto assegura que o usuário vai poder continuar a contratar pacotes de velocidades diferentes, mas, dentro daquela velocidade escolhida, ele poderá acessar qualquer tipo de aplicativo na internet. “Esse é outro dispositivo interessante que garante os direitos do consumidor e a inclusão digital no Brasil. Acho que essa é uma inovação bastante interessante no texto de lei”.
A última versão do texto traz uma maior clarificação da proposta de que os dados dos usuários na internet devem ser armazenados em servidores localizados em território brasileiro. Marília defendeu que o governo brasileiro deveria dar mais condições de mercado, em termos de redução de impostos e do custo da energia elétrica, por exemplo, para que os data centers se localizem no Brasil. “Não acho que isso deveria ser obrigado por meio de lei”.
Pensando, entretanto, que o governo tem sido firme na proposta de data centers no país, até como resposta ao monitoramento e vigilância das comunicações feitos pelos Estados Unidos, Marília disse que o fato dessa questão ter sido esclarecida foi positivo. A nova versão do texto diz que isso só deverá se aplicar a empresas de grande porte e faturamento, que serão indicados posteriormente em legislação específica. Segundo ela analisou, somente grandes empresas, como Google e Facebook, que têm grande número de usuários no Brasil e que hospedam seus dados fora, por questão econômica, deverão ser incluídas nesse dispositivo.
A pesquisadora acredita que embora o problema seja vendido como uma resposta ao monitoramento das comunicações, isso tem mais a ver com a questão de acesso aos dados em processo de percepção penal. “As autoridades policiais brasileiras têm dificuldades de ter acesso aos dados dessas pessoas quando elas se encontram hospedadas em outra jurisdição”. Nesses casos, é preciso solicitar uma cooperação judicial internacional que acaba retardando o processo.
Para Marília, trazer esses dados para o Brasil objetiva também facilitar o processo de instrução criminal. Ela advertiu, entretanto, que serão aplicadas todas as proteções que o marco civil traz. “Ou seja, o acesso a esses dados só pode se dar com ordem judicial. Tanto os dados pessoais, como os registros de conexão à internet, que vão ser guardados por um ano”.
A pesquisadora da FGV ressaltou, por outro lado, que o marco civil é uma lei geral. Detalhes, como a proteção da propriedade intelectual deverão ser objeto de leis específicas. Na consulta pública, a maioria da sociedade civil e dos juristas avaliou que só se deve retirar conteúdo da internet com ordem judicial. Marília lembrou que, em sua última versão, o Marco Civil estabelece que a discussão sobre exceção para o direito autoral deve ser travada no âmbito do projeto de reforma do direito autoral no Brasil, cujo encaminhamento ao Congresso ocorrerá até o início de 2014.
A expectativa é que o Marco Civil da Internet seja votado na semana que vem, “até porque a presidenta da República colocou o texto em regime de urgência”. Para Marília, o principal ponto que pode dificultar ainda a votação é o relativo à neutralidade de rede, devido ao interesse das companhias de continuar vendendo pacotes diferenciados de prestação de serviços de internet.
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