Encontros para a imprensa são assim: algumas horas de espera, quitutes, sucos, releases, lentes mil, microfones, caderninhos para anotações e lá vamos nós da Brasileiros, com mais de 50 jornalistas de diversos meios. O megaevento da vez era um pocket show – como assim são chamadas pelas assessorias de imprensa as degustações desconexas – do grupo de teatro sensorial argentino Fuerzabruta.
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Hoje (24 de setembro) é a estréia oficial em São Paulo, a tenda está armada no Parque Villa-Lobos, e o espetáculo Fuerzabruta, que tem maioria do elenco vinda do De La Guarda, grupo que esteve no Brasil em 2004, chega fazendo estardalhaço e saindo em todos os meios da grande imprensa. Há dois dias, fomos “presenteados” com uma parte do espetáculo, na verdade três cenas e algumas pequenas entrevistas do grupo, somente para ter o que fotografar e pouco a se falar sobre o show. Jornalistas mal preparados, perguntas que não fugiam do óbvio, filas e guerras para ser o primeiro da vez. Quase impossível não ficar boquiaberto em alguns momentos, afinal os sentidos são atingidos, a intenção é tomar pelo susto, difícil desprender a atenção. Nas três cenas, muitas imagens belas, um prato cheio para os fotógrafos e cinegrafistas, mas fragmentos de um todo. Enfim, um espetáculo para a imprensa, mais para ser exibido do que sentido.
A intenção é tornar o espectador em ator, fazê-lo interagir com o espetáculo. Segundo o diretor Diki James, o desejo é resgatar o teatro primitivo, de vertigem, organizado sem palco nem platéia, o teatro que ocupa todos os espaços, paredes, teto, chão, em que atores, ou performers, se misturam em meio à platéia, sempre de pé, em um amplo espaço que abrigará, a partir de hoje, mais de mil pessoas por show.
A essência da troca
Pelo grande número de aparatos, ousadias corporais e equipe técnica – mais de 50 pessoas trabalhando somente durante a execução da peça, ao todo mais de 200 -, o espetáculo pode ser comparado ao circo, mas James rebate: “O show Fuerzabruta está muito mais próximo de uma festa, de uma grande rave, do que do circo. O circo exige destreza, nós queremos estar o mais perto da poesia possível e o mais longe da destreza, da superação corporal, de se mostrar o quase impossível que o corpo atinge.”
O show está sendo montado há cinco anos e há três já vem rodando pelo mundo. Passou por Lisboa, Londres, México, Bogotá, Edimburgo, Córdoba e Berlim, e James garante que desde a estréia em Buenos Aires em 2005, muita coisa mudou. “A essência é a mesma, mas a forma e a edição vêm mudando, conforme os anos vão passando e conforme absorvemos as experiências dos mais diversos públicos. Sempre há reações diversas de cada um. Acontece de tudo, acontece gente que chora, e gente que não entende por que está ali, assistindo. Por exemplo, em Berlim, as pessoas de lá são muito especiais, talvez pelas suas histórias, não interagem, são duros, não conseguem se expressar. Já na Escócia, o público entrava feliz, com vontade de se divertir, sempre muito respeitosos, mas esperando festa”, conta o performer Marcelo Curotti, que também fez parte do grupo De La Guarda.
Sim, não dá para negar que seja inovador, que fuja do esperado de um teatro clássico. Megalomaníacos, espetaculosos, sensoriais, rompem barreiras, fazem um teatro abrangente e plástico, fragmentado, pós-moderno. Meninas correndo e gritando em cortinas de plástico-metálico, luzes furta-cor, uma grande estrutura metálica com fundo de plástico forma uma espécie de aquário sobre a cabeça dos espectadores. Mais quatro meninas dançam e mergulham sobre a água que paira em nossas cabeças e chega-se um momento em que a piscina desce e se pode, por intermédio do resistente material plástico, tocá-las. Não há linearidade nem textos que coordenem o fluxo do espetáculo.
Desconstroem a tradicional forma de se apropriar do palco e a questão do público como espectador passivo. Mas sairemos realmente tocados e mudados de lá, ou será uma interação vazia? A sensação talvez seja a mesma de ter recebido estímulos mil, em uma festa rave, com profusão de cores e sons. De fato, com a pequena degustação para a imprensa, não foi possível constatar tais aspectos.
Quanto a se assemelhar a uma festa, parece ser esta a idéia. O espetáculo utiliza-se de uma linguagem universal, a dos sentidos, e tinha, segundo o diretor do grupo, o desejo de sair do âmbito do teatro ligado à literatura, o teatro de elite. “Era muito importante para mim, sair dessa redoma do teatro intelectual, em que para se assistir a uma peça era necessário ter lido Shakespeare. Para mim a vontade era muito mais de fazer um teatro de celebração, que pudesse ser compreendido por todos.” Uma linguagem universal, mas também muito latina, muito portenha, segundo James: “Quanto mais viajávamos com o espetáculo mais nos dávamos conta de que era universal, no sentido que podia ser compreendido por todos, japoneses, escoceses, alemães, colombianos, mas também que era muito portenho, no sentido da linguagem corporal”. Era um grupo de meninos de Buenos Aires que sentia vontade de fazer teatro, mas um teatro oposto ao predominante. “Queríamos um teatro louco e agonizante, talvez se estivéssemos na Europa, onde tudo é mais confortável, não teríamos feito. Há uma dinâmica física entre o público e os atores, muito quente, muito latina”, conta James.
Preços salgados
A intenção era a de se fazer um teatro verdadeiramente popular, que atingisse a massa, mas, de fato, é um espetáculo caro, com megaequipe e megaestrutura. Os ingressos custam R$ 120,00. James diz lamentar por não poder montar uma peça de graça. “Esse era o meu maior sonho, mas com uma estrutura dessa não é possível, ainda mais aqui na América Latina, onde o acesso à cultura ainda é tão restrito.” Mas parece contente com a idéia de encenar aqui seu grande show. “O Brasil foi uma grande inspiração para mim, pelo seu carnaval, que também tem uma origem primitiva e não intelectual. Eu me sinto mais perto da festa, do que do teatro da palavra, da literatura. É um teatro hipermoderno, mas com raiz nos jogos teatrais mais primitivos.”
Influências teatrais
Embora tragam inspirações nas correntes do teatro que se apropriam da interação do público, assumem influência da obra Teatro e seu Duplo, do francês Antonin Artaud, em que expõe o grito, a respiração e o corpo do homem como lugar primordial do ato teatral, denuncia o teatro digestivo e rejeita a supremacia da palavra. O teatro para Artaud é um meio para que essas mudanças aconteçam. Fuerzabruta não é necessariamente um espaço de mudanças radicais. Chega a causar mais a impressão de um grande espetáculo de televisão, ou cinema, com edições e cortes rápidos, do que um teatro de mudanças. Não tem o intuito de gerar reflexão, tampouco de fazer o espectador pensar sobre suas ações. Nem dá tempo. A agilidade e grandiosidade com que as cenas são montadas, com uma profusão de linguagens, cores, texturas, sons, dança, performance, técnica, acabam por nos retornar ao lugar de espectadores passivos, mesmo que as respostas de nossos estímulos sejam reais.
Mas a vontade de assistir por inteiro, do começo ao fim, à montagem de 70 minutos aumentou com essa pequena degustação. De fato, um teatro que impressiona. Para isso funcionou!
SERVIÇO:
Fuerzabruta
Local: Parque Villa-Lobos
Cidade: São Paulo-SP
Endereço: Avenida Queiroz Filho, s/n° – São Paulo
Capacidade: 1.100 (mil e cem) pessoas
Classificação etária: entre 8 a 12 anos: permitida a entrada acompanhados dos pais ou responsáveis legais. A partir de 13 anos: permitida a entrada desacompanhados.
Temporada: de 24 de setembro a 12 de outubro; de terça a domingo.
Horário: terça, quarta, quinta e sexta-feira, às 21h; sábado, às 18h e 21h; domingo às 17h e 20h.
Preços:
Terças, quartas e domingos (às 20h) – R$ 120,00
Quintas, sextas, sábados e domingos (às 17h) – R$ 150,00
Estacionamento no local
Informações sobre a venda de ingressos: (11) 6846-6000
Vendas de Ingressos online: www.ticketmaster.com.br
Site Fuerzabruta: www.fuerzabrutabrasil.com.br
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