Presente aos leitores: um texto de Nahum Sirotsky sobre amigos e amizades

Em apenas duas semanas, que completa nesta quinta-feira no iG, este “Balaio” já recebeu muitas contribuições valiosas de leitores e colegas jornalistas.

Mas hoje trago um presente especial para vocês: um texto inédito do mitológico jornalista Nahum Sirotsky, meu colega de 82 anos de idade e mais de 60 de profissão, até hoje trabalhando como correspondente do iG e do jornal “Zero Hora” em Israel.

Para vocês terem uma idéia da estrada da vida percorrida por Nahum, desde a primeira metade do século passado, ele foi um dos primeiros a usar máquina de escrever (na redação da revista “Diretrizes”, depois de fazer um curso de datilografia em Passo Fundo) e um dos primeiros a escrever regularmente na internet.

“Tive que aprender ou não teria trabalho”, contou em longa entrevista sobre a sua carreira ao jornal da ABI, em janeiro de 2006.

Nesta entrevista ele dá uma singela lição aos que, como eu, estão entrando agora no mundo internético: é preciso usar frases mais curtas porque cansa demais a vista ler textos muito extensos no computador. Ainda estou aprendendo a fazer isso.

No último fim de semana, quando publiquei um texto sobre a importância dos amigos nas nossas vidas (ver post abaixo), recebi uma gentil mensagem dele sobre o “Balaio” me dando fôrça neste início de uma nova etapa da carreira.

Ao agradecer, aproveitei para lhe pedir que escrevesse também sobre o tema da amizade e ele me enviou o belo texto que segue abaixo. Obrigado, Nahum.

O vazio longe dos amigos

Há poucas semanas, recebi um e-mail de conceituado advogado de Pelotas, Rio Grande do Sul, perguntando se era eu o colega de ginásio de 1941 e me falando do filho que se encaminhava para o Jornalismo.

Fora descoberto via internet. Era eu mesmo e fiquei emocionado.

Graças a ele, relembrei até meu vergonhoso jogo contra uma equipe de guris de Porto Alegre, entre eles Russinho, que viria a ser da equipe nacional.

Tentei defender um chute e desisti dos demais. Entrei com bola e tudo. E para a história pelo número de gols engolidos.

Meu pai era caixeiro-viajante. Foram infância e adolescência mudando de cidades, escolas.

Foi quando descobri o significado do amigo e da amizade na vida.

Eles ocupam espaço próprio nas emoções e nas recordações, espaço que permanece deles para sempre. Não existem substitutos. Existem novos amigos.

E, devido à minha idade, tempo de profissão, inúmeros deslocamentos de cidades e países, colecionei muitos, das mais diversas culturas, atividades, nacionalidades e profissões.

De politicamente opostos, a sacerdotes das mais diversas fés e intelectuais e artistas de talento superior, até bandidos em favelas cariocas e donos de casas de super luxo no exterior.

A eles devo desde os conhecimentos que acumulei à carreira realizada, mais do que nada, a confiança, a certeza de que o meu mundo tinha invejável riqueza e a sensação de não estar só pois tinha as recordações a me acompanharem.

Amigos que não esqueci e sustentam os vínculos através dos tempos, dos anos e das distâncias. Não cito nomes para não cometer o pecado de um lapso.

Foi um deles que me abriu os olhos ao me ensinar que só se compreende com o que se sabe.

Ou que amar o próximo independe de diferenças de todos os tipos.

Ou que a vida é melhor sem a prática da safadeza.

Ou que acreditar numa fôrça acima de todas é essencial para preservar a modéstia.

Ou que se aprecia as artes com o que se sente.

E que a poesia é necessária.

Perdoar dá mais prazer do que odiar.

Tudo acima são lições e frases inesquecíveis de gente que se foi, cujos nomes ficaram marcados na minha lembrança.

Ou como o aviso que recebi do Iraque de dois amigos: “Pegaram o macaco”. Arriscaram-se para me informar que Sadam Hussein havia sido capturado.

Quiseram me ajudar a informar em primeira mão, o que fiz. Perdemos o contato. Talvez estejam entre os quase duzentos colegas mortos na guerra. Mas não os esquecerei jamais.

Amizade, aprendi, é amar com desprendimento e para sempre.


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