A importância dos bancos públicos

A crise financeira internacional em curso, cujo epicentro se localiza nos Estados Unidos, coloca em evidência o papel essencial desempenhado pelos bancos públicos. Nos países com sistemas bancários mistos, as instituições financeiras sem fins lucrativos constituem uma fonte estável de recursos para os investimentos produtivos e para as atividades de caráter social, atuando de forma anticíclica quando a economia entra em fase de desaceleração. Função crucial, sobretudo, em um momento como o atual, no qual a preferência pela liquidez e a aversão ao risco dos bancos privados se traduzem em brutal contração do crédito, ameaçando a continuidade dos planos de produção e investimento das empresas, com conseqüências deletérias sobre o nível de emprego.

Nesse contexto de importância renovada das instituições bancárias públicas, a publicação pela Fundação Konrad Adenauer do livro Government Banking: New Perspectives on Sustainable Development and Social Inclusion from Europe and South America não poderia ser mais oportuna. Em particular, em razão da predominância, tanto no meio acadêmico como na mídia brasileira, ambos bastante influenciados pelo pelo pensamento econômico neoliberal, da tese de que banco público é, por definição, menos eficiente que banco privado e só existe em países em desenvolvimento, cujos mercados financeiros são imperfeitos e incompletos.

Editada por Kurt von Mettenheim e Maria Antonieta Del Tedesco Lins, colaboradora da Brasileiros, a coletânea, que é composta de sete capítulos, de autoria de pesquisadores europeus e brasileiros, tem como foco as experiências dos bancos públicos de poupança na Europa Continental e na América do Sul. Essa ênfase encontra justificativa no fato de que, além de priorizar o financiamento das pequenas empresas e das cooperativas, os bancos de poupança financiam ou dão suporte às atividades sem fins lucrativos nas comunidades locais onde atuam. Desse modo, desempenham um papel crucial para a reversão da exclusão social associada ao processo de globalização, que, ao contrário do resultado preconizado pelos seus defensores, tem gerado concentração de riqueza e aumento de iniqüidades sociais mesmo nas economias avançadas.

Os diferentes casos examinados revelam que as profundas mudanças institucionais nos sistemas financeiros domésticos nas últimas décadas não resultaram em convergência para o modelo anglo-saxão de sistema financeiro privado. À exceção da Itália, onde o segmento bancário público foi desmantelado e os bancos de poupança não sobreviveram à reestruturação bancária dos anos 1990, quando foram absorvidos pelos bancos comerciais, nos demais países analisados – Alemanha, Brasil, Espanha, França e, em menor medida, o Chile -, os sistemas bancários permanecem mistos.

Para o debate brasileiro sobre o papel e a importância dos bancos públicos como agentes centrais de políticas governamentais de promoção do desenvolvimento econômico e da inclusão social, a análise das experiências dos bancos de poupança europeus é particularmente enriquecedora. Na Alemanha, França e Espanha, onde ocupam lugar-chave nos sistemas bancários domésticos, os bancos de poupança não apenas resistiram à onda de liberalização e privatização das décadas de 1980 e 1990 como mantiveram ou ampliaram seu espaço de atuação. Seus indicadores de desempenho, econômico e financeiro, são tão bons quanto os dos bancos privados, com os quais concorrem diretamente nas atividades com fins lucrativos. Porém, como instituições sem fins lucrativos, os bancos de poupança têm compromisso explícito, mediante obrigação estatutária ou legal, de conceder suporte para projetos sociais. Esse suporte é realizado de forma indireta, via entidades ad hoc, como fundações e associações, a exemplo do que acontece na Alemanha e na Espanha, ou de forma direta, como faz o grupo Caisse d’Epargne, terceiro maior banco em termos de ativos totais na França, que destina anualmente parte dos seus dividendos para projetos econômicos e sociais locais e para iniciativas de educação, lazer e cultura voltadas para as comunidades mais vulneráveis à exclusão.


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