O que muda na vida de quem pára de fumar

Parece que o mundo virou de cabeça pra baixo e começou a rodar ao contrário, tudo muito estranho. O QI, que já não era dos maiores, deve estar agora com registro negativo. Quase fui atropelado na esquina de casa, não consigo nem prestar atenção direito no que leio ou escuto, quanto mais escrever com a rapidez habitual. Está difícil.

Agora há pouco completei 24 horas sem fumar. Já tinha passado pela mesma experiência outras vezes, mas foi em consequência de problemas graves de saúde e, simplesmente, porque no hospital era proibido fumar.

Desta vez, é diferente, estou em casa. Não tenho nenhum problema de saúde, fui aprovado em todos os 42 exames que os médicos me mandaram fazer recentemente. Até a chapa do pulmão estava beleza.

Por que então resolvi parar? Eu mesmo sempre achei que as pessoas só param de fumar no susto, como aconteceu comigo das outras vezes, quer dizer, quando um grave problema de saúde te obriga a cortar o cigarro de uma hora para outra.

Mas agora a razão foi bem diferente e mais assustadora: a pressão familiar, que me impediu de fumar até dentro da minha própria casa, e esta ofensiva social, oficial, midiática, legislativa e o escambau, que proibiu o cigarro em praticamente todos os outros lugares.

As pessoas parece que não tinham mais outro assunto. Bastava alguém me ver acendendo um cigarro para se deflagrar aquela conversa interminável sobre os males do fumo, não só para quem fuma, claro, mas para toda a humanidade, a saúde pública e a camada de ozônio, etc

Quando minha mulher, que também fumava e tinha os mesmos problemas de rejeição na família e na sociedade, me trouxe há algumas semanas o folheto de um instituto especializado no “tratamento do tabagismo”, achei que tinha chegado a hora de tomar uma providência radical.

No mesmo dia, ela agendou a consulta e, ontem, na hora marcada, fomos lá os dois, por absoluta falta de alternativa: para sobreviver no mundo de hoje, era parar ou parar de fumar.

Ouvimos junto com mais algumas pessoas, durante mais de uma hora, as explicações dadas pelo dono do instituto sobre o tratamento que consiste na introdução de cristais em pontos da orelha depois protegidos por um micropore (espécie de esparadrapo).

Teve gente hoje que já me falou que, na verdade, o que colocam na nossa orelha não são cristais, mas sementes de alface. Seja como for, do que deu para entender da palestra e me lembro, o método foi desenvolvido por acupuntiristas na França para o tratamento de usuários de drogas e é aplicado no Brasil, há mais de 30 anos, no combate ao tabagismo, com bons resultados. Eles garantem que o tratamento inibe a vontade de fumar, em mais de 70% dos casos.

Ao sair do consultório em Higienópolis, fiz de conta que estava embarcando para uma longa viagem de avião ao exterior _ assim, pelo menos, me conformaria em não poder fumar mais, pelo menos até o dia seguinte.

Segui rigorosamente as recomendações: tomar muita água (10 a 12 copos por dia) e não tomar café, coca, chá e bebidas alcoólicas durante 15 dias (até cair o micropore protetor).

Tomei um comprimido do único remédio recomendado, um fitoterápico para combater a ansiedade e a insônia, botei uma bermuda e fui ver o jogo do meu São Paulo contra o Botafogo já como ex-fumante.

Dormi antes de começar o segundo tempo, quando o jogo ainda estava 0 a 0 (ganhamos por 2 a 1 e ainda vamos acabar faturando este campeonato), e nem vi a volta da minha filha à TV no SBT Repórter.

Acordei chumbado, com dor nas pernas, já pensando em ir para a área de serviço para fumar o primeiro cigarro do dia, um ritual que não há mais. O café foi trocado pelo suco de laranja e acompanhei com suco de tomate o belo vinho italiano tomado pelos amigos no almoço.

Em compensação, me dispensaram de pagar a conta, já que não tomei vinho, e assim fui embora antes do café para poder escrever logo este texto. Sinto-me agora como aquele sujeito que pulou do décimo andar e, ao passar pelo quinto, comentou:

“Até aqui, tudo bem!”


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