A vida do meu amigo Victor Siaulys é como um campeonato por pontos corridos, uma disputa feita de muitas vitórias e derrotas. Mais vitórias que derrotas, com certeza, já que ele continua vivo
Pouco mais velho do que eu, Victor nunca entrega os pontos, apesar de estar pelejando há anos contra um câncer de medula. Esta semana ele mandou mais uma carta aos amigos para festejar nova vitória: foi bem sucedido o transplante de medula óssea a que foi submetido.
Victor só sabe que o doador anônimo é da cidade de São José do Rio Preto. Antes do Balaio, quando escrevia apenas colunas aqui no Último Segundo já contei a história de Siaulys, um dos maiores empresários do ramo farmacêutico no Brasil, que há anos se dedica a variados programas sociais.
Fico feliz por poder contar agora aqui no Balaio mais uma história de transplante que deu certo para mostrar a todo mundo que vale a pena doar orgãos para salvar vidas.
A seguir, a carta que Victor Sialys enviou aos amigos explicando o que é um transplante de medula óssea, como se busca um doador e a lição que ficou para ele:
“Como você sabe, fui recentemente submetido a um transplante de medula óssea, um recurso extremo quando os outros recursos terapêuticos disponíveis se esgotam. Ou seja, a esperança de prolongamento de minha sobrevivência.
Confesso que até poucos dias atrás, eu não tinha noção do que significava o transplante de medula óssea.
O QUE É O TMO?
Um salva-vidas, principalmente para crianças portadoras de leucemias e linfomas. Para elas não é simplesmente prolongar a vida, mas curá-las definitivamente. Ela passa a ter uma nova medula. Isto hoje eu sei e comprovei, convivendo com crianças como a Julia – nome de minha neta _ e o Tuco, meus filhos temporários. Os problemas começam com a busca do doador.
O DOADOR
Como no círculo familiar direto – entre filhos, pai e mãe – apenas 25% apresentam compatibilidade, a tarefa desafiadora é encontrar um doador compatível com chance apenas de um para 100 mil! Preconceitos e desinformação são os grandes complicadores. Claro que a quantidade de transplantes está longe de ser compatível com as necessidades de nossa população. Atualmente são feitos cerca de 30 (trinta!) transplantes de medula por 10 milhões de habitantes e a média de espera por um transplante é de 270 dias. Para agravar o problema, os planos de previdência privada não são remunerados pelo SUS. Precisamos conquistar mais doadores. Não dói. Não tira pedaços. É doado em vida, quase como uma doação simples de sangue. A medula óssea é a “produtora” do sangue que se localiza na parte interna dos ossos, tal como tutano dos ossos de boi; ela dá origem aos glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas. Não tem nada a ver com a medula espinhal, que fica no interior da coluna vertebral.
O doador precisa ter entre 18 e 55 anos de idade e boa saúde. Ele doa apenas 10ml de sangue ou 10% do seu peso. O sangue é removido por uma veia do braço e passa por um aparelho que filtra as células do sangue e escolhe as células-tronco. O plasma volta ao seu corpo. As células são colocadas em uma bolsa de coleta e levadas até o paciente.
O TRANSPLANTE
O transplante de medula óssea é um recurso terapêutico que visa o tratamento de leucemias e linfomas com o uso simultâneo de altas doses de quimioterápicos. A sua indicação depende do estágio da doença em que o paciente se encontra.
O objetivo da quimioterapia é o de praticamente destruir a sua produção de leucócitos (glóbulos vermelhos e plaquetas) antes da enxertia. Esta fase é de alto risco para infecções. Após este período os leucócitos começam a aparecer no sangue periférico demonstrando a recuperação da medula, a chamada “pega” que no meu caso ocorreu e o transplante foi bem sucedido. Como corolário de coincidências (Deus-incidências). Encontrar o doador com todas as características necessárias, até o mesmo tipo de sangue. Contar com uma equipe de médicos e enfermagem competente, dedicada, amorosa como a que me paparicou o tempo todo.
Confesso que até poucos dias atrás eu não tinha noção do que significava o transplante de medula.
Somente vivenciando esta experiência a gente se dá conta: primeiro, não é um processo doloroso, traumático. Não se remove um pedaço do nosso corpo, mas é um ato de generosidade que engrandece o ser humano. Meus filhos, ao tomarem conhecimento desse processo, imediatamente cadastraram-se no REDOME da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, enriquecendo o Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea. Todos os estados brasileiros têm um hemocentro capacitado para realizar o registro.
Quando alguém precisa de transplante, como é o caso de uma leucemia ou aplasia da medula óssea, em crianças com doenças genéticas, os técnicos do REDOME pesquisam a compatibilidade dentre os doadores cadastrados. Se o perfil coincidir com o do paciente que precisa do transplante, consulta-se novamente o voluntário sobre a doação. Aí então, o doador recebe um medicamento por 5 dias que estimula a proliferação das células mãe. O seu sangue vai passar por um processo de filtração, que dura em média 4 horas, até que se obtenha o número adequado de células.
Claro está que o problema está na busca do doador. A tarefa desafiadora é encontrar um doador compatível em um para 100 mil (1/100.000). No círculo familiar direto, pai, mãe e filhos apenas 25% apresentam compatibilidade. Atualmente são feitos cerca de 30 (trinta!) transplantes de medula por 10 milhões de habitantes. E a média de espera é de 270 dias.
Convivendo com crianças portadoras dessas doenças nesse meu estágio no Einstein, candidatas a uma nova medula, entendi que a doação não significa simplesmente prolongar suas vidas, mas curá-las em definitivo. Como doador você passa a ser um herói anônimo, pois a identidade do doador permanece oculta.
No meu caso, sei apenas que o doador é da cidade de São José do Rio Preto, pois a médica que foi em busca da doação me relatou a emoção vivida no precioso transporte de uma bolsa de sangue: o motorista de taxi procurou ser o mais cuidadoso e prestativo possível; o comandante da TAM, ao tomar conhecimento da preciosa carga, encurtou o vôo em 15 minutos, solicitando prioridade e atenção redobrada na hora do pouso.
E o que fica para mim nessa experiência? Mais uma lição aprendida: compartilhar é a mais nobre conduta dos seres humanos. Se compartilhar o pão e o vinho nos une, imaginem compartilhar a vida. Mais uma vez assim, concreta e objetivamente, ela nos reafirma que somos feitos da mesma matéria. O sangue que corre em nossas veias não é azul, não é negro ou amarelo. Somos todos irmãos de sangue e filhos do mesmo pai”.
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