Tão perto, tão longe

Dora Longo Bahia_Escalpo Ferrado [Paquist__o] 2010 - foto Ding Musa
Obra da brasileira Dora Longo Bahia, “Escalpo Ferrado (Paquistão)” (2010). Acrílica sobre ferro velho, apresentada pela Galeria Vermelho.


Às vezes, viajamos longe
para nos reaproximar do que está perto. Esse parece ter sido o caso na minha primeira experiência de Frieze London + Frieze Masters, duas das mais prestigiadas feiras de arte do mundo, que acontecem a cada outubro na capital inglesa. Um dos destaques da última edição, realizada entre 17 e 20 de outubro, foi a participação de um número recorde de galerias brasileiras. Foram 11 no total. De casas estabelecidas, como Luisa Strina, Fortes Vilaça, Nara Roesler, Gentil Carioca e Vermelho, a galerias jovens, a exemplo da Jaqueline Martins, todas auspiciadas pelo Projeto Latitude, voltado à promoção internacional da arte contemporânea produzida no Brasil.

Uma das gratas surpresas da Frieze London foi reencontrar a obra de Genilson Soares, artista de João Pessoa, radicado em São Paulo desde os anos 1960. Trazido à feira pela Galeria Jaqueline Martins, ele apresentou a instalação Uma Prancha Encostada na Parede, que integrou o trabalho Pontos de Vista, realizado pelo Grupo3 – do qual também fizeram parte Francisco Iñarra e Lydia Okumura – para a XII Bienal de São Paulo, em 1973. Na ocasião, o trio ocupou o local destinado à sua participação com produções efêmeras e individuais, que indagavam a percepção do espaço por meio de jogos de ilusão de ótica desenvolvidos a partir do contexto arquitetônico. Trata-se de operações absolutamente experimentais, em diálogo com o que, mais tarde, passou a ser conhecido como site specific.

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Galeria Jaqueline Martins apostou na obra de Genilson Soares, “Uma prancha encostada na parede” (1973/2013)

Para além da inequívoca atualidade da obra de Genilson, evidenciada em meio ao caleidoscópio de produções que compõem a Frieze, sua presença na feira também aponta para questões cruciais que ainda necessitam de ser enfrentadas no cenário brasileiro: Por que certas produções dos anos 1960 e 1970, fundamentais para entender os caminhos da arte contemporânea no País, foram praticamente esquecidas a partir da década de 1980 e apenas recentemente revisitadas? Que imaginários da arte – para além de historiografias – temos produzido e em nome de quê? A hipótese de uma rendição completa à lógica de mercado, que teria ditado o chamado “retorno à pintura” nos anos 1980, embora produtiva, não é suficientemente nuançada para dar conta da complexidade das questões.

De todo modo, é interessante pensar o quanto produções como a do grupo Arte/Ação, do qual Genilson também fez parte, e de outros coletivos dos anos 1970, igualmente negligenciados, como Manga Rosa, Viajou sem Passaporte e Nervo Óptico, apontavam para uma crítica à instituição artística ou, antes, à ideia de arte como instituição, reivindicando outras possibilidades de inserção da produção na sociedade. Ironicamente, em um País com tantas precariedades institucionais e de políticas públicas para as artes e a cultura restam iniciativas como a da Galeria Jaqueline Martins para a recuperação de certa memória fraturada, não apenas em âmbito nacional, mas também internacional, como demonstra sua participação na Frieze. Que esse seja apenas um – muito bem-vindo – começo!

 


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