Estava sozinho no Bar do Alemão, sábado à noite, esperando os amigos da roda de choro do Nassif. Como eles demorassem, por causa da chuva que não parava de cair, sem nada para ler ou fazer, pedi ao garçon um chope, um pedaço de papel e uma caneta, e comecei a rabiscar esta crônica.
O bar foi aos poucos enchendo de gente, mas não era como a última vez que estive lá, nem faz muito tempo. O clima cinzento me fez lembrar de uma frase pintada numa parede da finca de Dom Fernando, um velho restaurante chileno na Aldeia de Carapicuiba:
“Está tudo muito bom, muito bonito, mas está esquisito”.
Agora, nem está tudo muito bom, nem bonito, mas está tudo muito esquisito.
Pelas conversas nas mesas vizinhas, percebo que, de repente, velhas certezas e verdades absolutas foram para o espaço. Novos projetos e investimentos adiados, viagens temporariamente esquecidas.
Sinto que falta o ar que antes circulava pelo salão, o horizonte ficou embaçado, alguma coisa se quebrou no meio do caminho.
Em cumprimento apenas ao calendário, ruas, vitrines e salas de visita já se enfeitam para o Natal, mas as pessoas não parecem animadas para a festa que se aproxima. Os amigos ficaram mais secretos, as luzes mais fracas, os coloridos desbotados de um ano para outro.
Os bares da rua seguem lotados no sábado à noite, o chope continua bem gelado e os petistos quentinhos, mas as conversas murcharam. Ninguém presta muita atenção nos músicos que começam a afinar seus instrumentos para tocar as mesmas músicas de sempre, só que um tom abaixo.
O que houve, o que foi que aconteceu com o mundo? Quebrou a bússola, perderam o norte?
Se fosse assim só no nosso Brasilzão velho de guerra, bastava botar a culpa no governo e xingar os políticos, os banqueiros e os poderosos em geral, mas as notícias que vêm de fora e de longe indicam que a ziguizira é geral, global, universal. É a crise, dizem todos.
Liberaram o compulsório, injetaram dinheiro nos bancos, aliviaram o crédito, lançaram ofertas imperdíveis nos jornais de domingo que já estão nas bancas, e ninguém se mexe na paisagem repentinamente congelada.
Aonde se esconderam os animados otimistas de ontem? Aonde encontro os sorrisos e as caras bonitas de ainda outro dia? Cadê os planos para as festas de fim de ano, para o ano que vem, as promessas para mudar de vida?
Pois no meio da noite, conversando sobre tudo isso com velhos amigos dos tempos da Folha, volta de novo a esperança de que amanhã pode ser um dia melhor do que foi ontem. Concordamos num ponto: apesar de tudo, não podemos reclamar da vida, não temos o direito de desistir do amanhã.
Porque a gente vai dar sempre um jeito de dar um jeito, de fazer um som novo, abrir um outro olhar, trilhar um caminho por onde ainda não andamos, e vai ser bom, assim será. A crise um dia passa, a gente fica.
O chorinho pegou no breu, a conversa animou, o papel acabou, a chuva parou e amanheceu um bonito domingo de sol.
Em tempo: agradeço de coração aos doutores David Uip, Tânia e Eli, e a toda a equipe de médicos e enfermeiros do Hospital Sírio Libanês, que com tanto carinho cuidaram da minha filha Carolina nestes últimos dez dias. Bola pra frente, vida que segue.
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