Obsessão Infinita, de Yayoi Kusama, chega ao Rio de Janeiro trazendo de forma ampla o universo particular desta artista, uma das mais significativas da contemporaneidade. Sua obra é apreciada por todos, pelo caráter ingênuo, investigador e inusitado, representado por um elemento trivial que é o ponto ou sua forma ampliada e instalativa por meio de bolas sobre fundos monocromáticos de cores vibrantes, como o amarelo que encantou o público quando representou o Japão na Bienal de Veneza, no ano de 1993.
Esse reconhecimento aconteceu após uma tentativa frustrada de participação na Bienal de Veneza, em 1966, que lhe trouxe, porém, uma grande repercussão. Com a recusa, a artista decidiu fazer a performance Narcissus Garden, espalhando 1.500 bolas de frente à entrada da Bienal, as quais estavam à venda pelo valor de 1.200 liras, equivalente hoje a € 210. A ação era acompanhada por uma placa com a frase Your Narcisium for Sale (Seu Narcisismo à Venda), como uma crítica ao sistema das artes plásticas por sustentar egos e mecanismos de poder. Quando os organizadores da mostra notaram a agitação causada pela artista, apressaram-se para encerrar a manifestação com ajuda policial.
Yayoi Kusama, com base no episódio acima mencionado, nos faz crer ser um gênio da apropriação positiva de situações desfavoráveis ao seu percurso artístico. Outra prova dessa teoria é o fato de seus famosos e habituais pontos e bolas serem resultado de um transtorno psíquico, que a imerge desde a infância em alucinações dominadas por esses elementos. Nessa mostra, o visitante tem a oportunidade de participar no processo acumulativo e excessivo da artista em obras interativas, como é o caso da Sala de Obliteração, onde o visitante, após receber uma cartela com pontos coloridos, passa a criar uma obra colaborativa ao fixar esses elementos na sala até então branca. O quarto espelhado, chamado Campo de Falos, permite ao visitante percorrer uma sala repleta de bolas vermelhas e brancas e, assim, compartilhar com a artista de suas alucinações permanentes.
A artista vive desde 1977 em um hospital psiquiátrico no Japão. Hoje, aos 84 anos, revela em sua sensatez: “Minha arte é uma expressão da minha vida, sobretudo da minha doença mental, originária das alucinações que eu posso ver. Traduzo as alucinações e imagens obsessivas que me atormentam em esculturas e pinturas. Todos os meus trabalhos em pastel são produtos da neurose obsessiva e, portanto, intrinsecamente ligados à minha doença. Crio peças, mesmo quando não tenho alucinações”. Poderíamos, através desse depoimento, criar um diálogo entre a obra de Yayoi Kusama e Arthur Bispo do Rosário (1909?-1989), artista brasileiro que foi residente do Hospital Nacional dos Alienados, e passou pelo menos 50 anos de sua vida produzindo compulsivamente objetos, esculturas e assemblages, seguindo sua crença de que deveriam ser resguardados como testemunhos para o Dia do Juízo Final. Hoje, sua obra tem visibilidade e é apreciada pelo público especializado, atingindo reconhecimento internacional e sendo um dos grandes destaques da atual versão da Bienal de Veneza. Diferentemente de Yayoi Kusama, Arthur Bispo do Rosário não tinha consciência do potencial de sua loucura.
A mostra Obsessão Infinita, com curadoria de Philip Larratt-Smith (ex-curador do Malba – Fundación Costantini, Buenos Aires) e de Frances Morris (curadora da retrospectiva de Kusama, na Tate Modern, de Londres) relata esse universo por meio de aproximadamente 100 obras criadas entre 1949 e 2012, incluindo pinturas, trabalhos em papel, esculturas, vídeos, apresentação de slides e instalações.
Nascida na cidade de Matsumoto, no Japão, em 1929, iniciou sua produção sobre papel em 1940. Até a década de 1960, concentrou-se em pinturas realizadas pela repetição de arcos criados por um movimento obsessivo chamado Infinity Net (Rede Infinita). Entre 1957 e 1973, viveu em Nova York, para onde se mudou a convite da artista Georgia O’Keeffe. Nos Estados Unidos, foi contemporânea de Donald Judd, Andy Warhol, Claes Oldenburg e Joseph Cornell, que influenciaram diretamente sua obra e o novo percurso desprendido de suportes convencionais e focado na subcultura enraizada em happenings, performances, seguindo para as instalações e, assim, enfatizando seu mundo lúdico trazido agora ao Brasil.
Rio de Janeiro
CCBB – Rua Primeiro de Março, 66 – Centro
Até 20 de janeiro de 2014
Brasília
CCBB – SCES, Trecho 2, lote 22
De 17 de fevereiro a 27 de abril de 2014
São Paulo
Instituto Tomie Ohtake – Rua dos Coropés, 88 – Pinheiros
De 21 de maio a 27 de julho de 2014
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