Veja só como a Geografia influencia o destino das pessoas. O jovem Barack poderia ter acabado em São Paulo. Fiquei imaginando como é que a turma do bairro onde cresci- ali na beirada do Bexiga – iria receber um cara como o Obama. Ele é magro e comprido. De cara seria apelidado de “Cipó”. A alcunha venceria a competição com outras, como “Taquara”, “Poste” ou “Canudo”.

Já imagino o Obama jogando uma pelada no grande “Estádio El Campinho” (um tributo à arena futebolística colombiana “El Campín”), que era ali na Rua Peixoto Gomide. “Passa a bola, Cipó!”, gritaria o exasperado centroavante de seu time. Pela physique do presidente-eleito, ele seria meio-campista, armador, no estilo de um Ademir da Guia. Com jogo cadenciado, aqueles pernões compridos roubando bola do adversário, e escondendo a pelota ao avançar. Jogaria no combinado que chamávamos de “resto do mundo” e enfrentava diariamente o time de “corinthianos”. Obama tem cara de santista.

Um babaca cometeria a temeridade de perguntar a ele: “Ô Cipó, tá frio aí em cima?”. Ao que Obama responderia de bate pronto: “Quer saber? Pega no termômetro aí em baixo”. Na Escola de Samba Vai-Vai – e é evidente que ele desfilaria na gloriosa do Bexiga – “Cipó” seria mestre-sala, com Michelle de porta-bandeira. Nas cervejadas dos fins de semana, ele bateria um tamborim de respeito. Alguém sairia com a infeliz idéia: “Ô Cipó, tá na época de balão, vem com a gente, que nós tamos precisando de uma vareta longa”. E Obama, sem perder o repinique bateria: “Num dá. Tua mãe está segurando a vara e não quer largar”. Ninguém se ofenderia: o “Cipó” é boa gente. Além disso, com aquelas pernas, deve dar pernadas amargas.

Caras como o Obama, pelo menos onde cresci, trabalhavam como eletricistas e encanadores. Alto, o “Cipó” estaria no tamanho certo para cuidar da saída de luz, trocar lâmpadas sem escada, etc. E, magro daquele jeito, conseguiria se enfiar nos espaços reduzidos por onde correm os canos. O presidente-eleito bem que poderia manter uma lojinha, numa garagem de cortiço, lá pela Rua Herculando de Freitas. As mães do bairro diriam: “Filho, vai chamar o Cipó, que esta luz da sala está com soluços. E não me vão parar pra jogar bola no campinho!”. Barack, como é cdf, trataria do serviço antes de tudo. Afinal, Michelle é brava e tem cara de mandar no marido. Mas nem por isso o homem é frouxo. Alguém diria, por exemplo: “A Zilda da maloca está de olho em você. Toda vez que te vê ela se assanha”. No que Obama responderia: “Vou convidar a Zildão pra brincar de Tarzã: agarrada no Cipó”.

Ao invés disso, Obama vai para Washington, morar na Casa Branca. O “El Campinho” acabou: virou um prédio horrível chamado “Vila Borghese”. Já não tem mais racha entre corinthianos e resto do mundo. Quem andar na Peixoto Gomide não vai encontrar um único moleque empinando “papagaio” (que é a pipa de paulistano). A Vai-Vai já não desemboca na Praça 14 Bis, nos ensaios antes do carnaval. Mas aposto que se o presidente americano algum dia resolver visitar o bairro, alguém ao longe gritará: “Dá-lhe Cipóóó!”.


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