Em Porto Alegre, menos é mais

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Portões de Nuvens, do artista filipino David Medalla

Se o Clima for Favorável, a 9a edição da Bienal do Mercosul, a cargo da curadora mexicana Sofía Hernández Chong Cuy, teve início com uma perda: a não utilização dos generosos espaços expositivos dos galpões no Cais do Porto.

Contudo, o que poderia ser negativo foi usado como vantagem. Chong Cuy ocupou outros já conhecidos e costumeiros espaços da Bienal, mas revelando suas arquiteturas de forma surpreendente, sem incluir paredes e gerando uma mostra fluída e de intenso diálogo entre as obras. Com grande número de trabalhos escultóricos, as visitas nos locais permitem um embate entre o corpo do visitante e as obras de forma inédita no sistema de bienais.

Santander Cultural, Usina do Gasômetro, Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) e Memorial do Rio Grande do Sul nunca foram vistos de maneira tão despojada e tão acolhedora a uma mostra de arte contemporânea.

Um bom exemplo é Caverna do Morcego, projeto de 1969, do norte-americano Tony Smith (1912-1980). A obra é representativa de um eixo central da Bienal, as experimentações de artistas, nos anos 1960 e 1970, em parcerias com grandes corporações para projetos de arte e tecnologia.

Naquele período, diversas iniciativas buscaram abrir espaços em empresas privadas para experiências criativas e, no caso de Smith, a parceria foi com uma produtora de embalagens, a Container Corporation of America. Com a empresa, ele criou uma imensa caverna de papelão de 4,5 m de altura por quase 12 m x 11 m de largura e extensão. No MARGS, a obra de Smith é a única a ocupar a área central do museu, com as paredes de canto vazias, permitindo que o trabalho seja visto sem perder o foco.

A 9ª Bienal do mercosul tomou todos os museus e instituições culturais da cidade, como ocorreu em sua primeira edição quando teve a curadoria de frederico de morais. nas imagens laterais, dois locais  históricos para a arte em porto alegre. à esquerda, o Memorial do Rio grande do sul, com a instalação Viajante devorado pelo espaço, da artista Cinthia Marcelle. à direita, o museu de arte do Rio Grande do Sul com a instalação a caverna do morcego, 2013, de Tony Smith
A 9ª Bienal do Mercosul tomou todos os museus e instituições culturais da cidade, como ocorreu em sua primeira edição quando teve a curadoria de Frederico de Morais. Na imagem, o Memorial do Rio Grande do Sul, com a instalação Viajante Devorado pelo Espaço, da artista Cinthia Marcelle.

Várias são as obras históricas e de porte como essa que a Bienal do Mercosul apresenta. Dois casos significativos: Hans Haacke é visto com Circulação (1969), um de seus trabalhos críticos sobre o sistema de arte; Robert Rauschenberg comparece com Mude Muse (Musa de Lama), obra de 1969, uma piscina de lava vulcânica acionada por sons e criada dentro do programa Art & Technology, do Museu Municipal de Los Angeles, o LACMA.

Além de rever trabalhos desse porte, a curadora se ocupou ainda em atualizar a iniciativa da colaboração entre artistas e empresas e convidou alguns contemporâneos para o mesmo desafio, em um programa denominado Máquinas da Imaginação. Os novos projetos apontam que a possibilidade de colaboração efetiva entre capital e criatividade não é tão viável hoje em dia como há 40 anos.

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O Museu de Arte do Rio Grande do Sul com a instalação A Caverna do Morcego, 2013, de Tony Smith

O melhor exemplo aqui é a instalação de Cinthia Marcelle, Viajante Engolido pelo Espaço, apresentada no Memorial. Realizada a partir de uma pesquisa da artista com o Grupo Gerdau, no catálogo é explicado que o projeto passou por “ampla supervisão e estrito controle”, revelando dificuldades de real parceria no projeto. O trabalho, ao final, é composto por uma área imantada com óxido carmim, da ferrugem, como se restasse apenas poeira desse diálogo, ao mesmo tempo que aponta para um certo caráter intoxicante da siderurgia.

Esse diagnóstico, entretanto, serve como sinal dos tempos. Por isso, ganham maior destaque projetos de artistas contemporâneos com pesquisas sobre práticas inovadoras em grandes empresas, como o do brasileiro Beto Shwafaty. Ele apresenta uma investigação sobre Adriano Olivetti, fundador da Olivetti, que nos anos 1950 não só era uma espécie de precursora da Apple em matéria de design, como tinha uma preocupação social com seus trabalhadores, o que Steve Jobs jamais atentou.

Entre projetos do passado e do presente, a Bienal do Mercosul se volta ainda para o contexto local da mostra, outro ponto alto do projeto de Chong Cuy. Com performances nas ruas da cidade, palestras e eventos na Ilha do Presídio, a curadora foca também histórias e narrativas gaúchas, como na ação da dupla Liesbeth Bik e Jos van der Pol, que aborda o orçamento participativo em uma ocupação da Lua. Com menos artistas que o usual, menos obras e menos espaços, Se o Clima for Favorável confirma que menos é mais. 


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