Quase três mil livros, 2.949 para ser preciso, estão sendo transportados de São Paulo para Fortaleza. Eles compõem a coleção pessoal do mecenas paulista Francisco Matarazzo Sobrinho (1898-1977), o Ciccillo Matarazzo, criador do Museu de Arte Moderna de São Paulo e da Bienal de São Paulo, algumas das instituições de arte mais importantes do País.
Simbolicamente, esse deslocamento da biblioteca de Ciccillo, herdada por seu amigo Benedito José Soares de Mello Pati (1924-2013) e até agora pouco conhecida, para o nordeste do País aponta para um fenômeno que vinha tomando corpo na última década, mas que agora parece definitivo: São Paulo e Rio de Janeiro perderam a primazia como polo das instituições de arte do Brasil.
A biblioteca integra, agora, o acervo da Fundação Edson Queiroz, em Fortaleza, que administra uma universidade privada, a UNIFOR, onde está em cartaz uma mostra de longa duração com 272 obras de sua coleção e curadoria de Paulo Herkenhoff e Marcelo Campos. Com cerca de 400 peças, a Fundação tem por trás um novo mecenas, o empresário Airton Queiroz, um dos herdeiros do Grupo Edson Queiroz, que atua na área de alimentação, eletrodomésticos, comunicações, energia e agropecuária.
“Está claro que o circuito das artes visuais se expandiu”, afirma o diretor da Pinacoteca do Estado, Ivo Mesquita, que esteve em julho em Fortaleza, para conhecer a coleção da Fundação Edson Queiroz. “Ela é extremamente consistente, com peças importantes e bem selecionadas”, diz ainda Mesquita. A Pinacoteca iniciou conversações para uma apresentação dela em São Paulo, no próximo ano.
Assim como Ciccillo foi essencial na cena paulista da década de 1950, Queiroz ajuda a colocar Fortaleza em evidência, mas ele não é o único. Outro mecenas local, o empresário Silvio Frota, do ramo financeiro e da construção, tem hoje cerca de duas mil fotografias em seu acervo e planeja a abertura de um museu. Nas feiras e galerias de arte de São Paulo e do Rio de Janeiro, Frota já é considerado um dos grandes colecionadores de fotografia do Brasil.
Essa expansão do circuito de arte, contudo, teve início no sul do País, em Porto Alegre, com a criação da Bienal do Mercosul, em 1997. Com a 9a edição se encerrando, a instituição gaúcha apresenta uma história sólida, que coleciona ótimas mostras, como a versão de 2009, a cargo da argentina Victoria Noorthoorn.
A Bienal do Mercosul foi organizada por um grupo de empresários liderados por Jorge Gerdau, que, aliás, também é figura-chave na criação da Fundação Iberê Camargo. Com um museu desenhado pelo arquiteto português Álvaro Siza, que foi inaugurado em 2008, a Fundação Iberê Camargo apresenta uma programação consistente, não só de exposições dedicadas ao artista-tema, mas outras diversas, como O Alfabeto Enfurecido, sobre León Ferrari e Mira Schendel, realizada em parceria com o Museu Reina Sofia, de Madri, e o MoMA, de Nova York.
Um segundo momento importante na expansão do circuito nacional foi a criação de Inhotim por outro mecenas, o mineiro Bernardo Paz. Criado em 2002 e aberto de fato em 2006, Inhotim é hoje uma referência internacional na apresentação da arte contemporânea dentro de um jardim botânico. O local é o único no País a apresentar de forma permanente obras icônicas de arte contemporânea brasileira, de nomes como Cildo Meireles, Lygia Pape, Tunga, Hélio Oiticica, para citar só alguns, praticamente invisíveis em museus paulistas e cariocas.
Todas essas iniciativas, é importante observar, não partiram de ações públicas, mas da iniciativa privada, apesar de a maioria delas contar com verbas das leis de incentivo à cultura.
A exceção a essa situação é a criação do Cais das Artes, em Vitória, uma iniciativa do governo do Estado do Espírito Santo, programado para ser inaugurado no final do próximo ano. Com projeto de Paulo Mendes da Rocha, o local prevê um espaço museológico de cerca de 3 mil m2 e um teatro de grandes dimensões.
Assim como a transformação da cena paulista, nos anos 1940 e 1950, partiu de um mecenas, é por esse tipo de patrocínio que ocorre a descentralização do circuito brasileiro, um fenômeno a se refletir.
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