O uso da cidade através da arte

Ainda é pouco, mas intervenções artísticas começam a ocupar São Paulo. E para debater o uso urbano através da arte, a Brasileiros e o Instituto Goethe realizaram, nesta terça (26), um encontro com os idealizadores de dois projetos que estão “em cartaz” na cidade. O artista Celso Sim e a arquiteta Anna Ferrari, criadores de “Penetrável Genet/ Experiência Araçá”, e o artista Stefan Kaegi, do coletivo alemão Rimini Protokoll – que trouxe ao País “Remote São Paulo” – se juntaram a Cristiane Esteves, do grupo teatral OPOVOEMPÉ, para a primeira conversa da série goethe_lab Brasileiros.

Primeiro a falar, Kaegi apresentou o trabalho que está “Remote São Paulo”, uma versão do “Remote X”, já realizado em Viena, Berlim, Lisboa, Avignon, entre outras cidades. O projeto propõe trajetos pelas ruas das cidades, criando uma experiência em que aspectos ficcionais se misturam a uma trilha sonora (com fones) criada para espaços urbanos. Em cada país, no entanto, o trajeto muda de acordo com a realidade local, o que exige um detalhado trabalho de pesquisa da equipe alemã . “Eu gosto de fazer ideias viajarem”, explicou Kaegi no evento.

Para ele, trata-se de um trabalho relacionado à capacidade a observação. Ao misturar os participantes com o cotidiano da cidade e propondo uma interação constante, o projeto traz à tona temáticas sobre o dia a dia das pessoas. Neste ponto, o artista ressaltou que, em São Paulo, esta interação com o público tem sido a mais notável desde que o projeto surgiu. “Comparando com a cidade de vocês, Berlim quase não tem gente”, brincou ele, que apresentou o vídeo filmado na versão alemã:

Sobre os projetos realizados pelo grupo OPOVOEMPÉ, que também realiza em suas peças percursos urbanos, Cristiane Esteves ressaltou a constante busca por um novo olhar sobre a cidade. “Muitas vezes são lugares que já conhecemos, mas que podem ser olhados de outro jeito”, afirmou. “E assim, podemos também ver o espaço público como um espaço da ação artística”, disse, propondo uma reflexão sobre a nossa experiência no tempo e sobre a condição humana contemporânea. A diretora exibiu vídeo de um dos trabalhos do grupo:

Por fim, o artista Celso Sim falou sobre “Penetrável Genet”, que propõe um percurso dentro do cemitério do Araçá e faz referência aos desaparecidos da ditadura militar. A obra, que integra a 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, gerou polêmica ao ser vandalizada antes da abertura ao público, na madrugada do dia 3 de novembro. Parte da instalação montada dentro do Ossário Geral do cemitério, com monólitos de mármore, foi destruída, o que acabou sendo incorporado pelos artistas. “Foi um crime de intolerância e ódio. Algo pouco comum, já que os crimes de intolerância e ódio em geral são associados aos fascistas”, disse ele.

Para além de aspectos políticos, Celso ressaltou que a obra é uma convocação aos sentidos. “’Penetravel Genet’ é cheia de contradições. E a primeira delas é sobre aceleração e desaceleração. Vivemos em uma vida cada vez mais acelerada na cidade, e a obra é o convite justamente para entrar em um lugar onde os habitantes estão imóveis, o cemitério”.

Os participantes do debate concordaram, ao fim, que apesar de algumas semelhanças entre os trabalhos do grupo alemão e o dos brasileiros, eles trazem muitas diferenças em suas propostas. Kaegi notou, por exemplo, que enquanto “Penetrável Genet” dialoga fortemente com o passado, ao levantar questões sobre memória e sobre os desaparecidos políticos, “Remote São Paulo” volta seu olhar mais para o futuro. Anna Ferrari, por sua vez, ressaltou que o percurso no cemitério propõe uma experiência muito mais individual e existencial, enquanto a experiência proposta pelos alemães nas ruas é coletiva e de interação.

As duas obras, no entanto, assim como as peças do POVOEMPÉ, têm clara uma visão que surge com cada vez mais força nos últimos tempos, e que é também tema da Bienal de Arquitetura: seja por meio da arte ou não, é preciso viver a cidade, ocupar o espaço público e democratizar a vida nas metrópoles.


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