Aos 35 anos, Daniel Ganjaman, primogênito de Claudio Takara, um mestre na arte das gravações musicais, também pode ser considerado um veterano, se o assunto for produção, do estúdio aos palcos. Ganja, como é chamado pelos mais próximos, começou a produzir em 1998, quando assinou direção musical para o pernambucano Otto, que acabava de lançar o hoje lendário Samba Pra Burro. Não parou mais. É dele também, a produção de Nó Na Orelha, de Criolo, apontado como disco do ano em 2011. Daniel aparece, ainda, na ficha técnica de álbuns de artistas que vão de Racionais MC’s à Nação Zumbi, Ratos de Porão a CPM22, Mombojó a Forgotten Boys, passando por Seu Jorge e Renegado.
Recentemente, o produtor dividiu seu tempo entre dois importantes lançamentos, o novo single de Criolo, e o já mítico álbum inédito de Sabotage, rapper paulistano morto em 2003. Além disso, Ganja cuida da transferência do El Rocha, estúdio que fundou com seu pai em meados dos anos 1990, para as margens da Avenida Sumaré, na zona oeste de São Paulo. Para Claudio, um verdadeiro sonho que se materializa (ver http://www.revistabrasileiros.com.br/2010/05/24/a-fortaleza-do-som/).
O precioso maquinário analógico do El Rocha ocupa agora o estúdio construído pelo maestro Vicente Sálvia, o Vitché, que trabalhou com Roberto Carlos e Wanderléa. Protegido do tráfego da Sumaré por uma série de árvores, o lugar é cobiçado por músicos de todas as áreas não só pelo espaço, mas pela sala “viva” de gravação. Sem o usual isolamento acústico dos estúdios “normais”, que abafa o som, as paredes “nuas” permitem que os instrumentos reverberem, como na “vida real”.
Do hardcore a excelência na produção
Desde moleque, Ganja se interessou por música. Aos 3 anos, chegava a se equilibrar com a boca na vitrola da sala dos Takara para ficar com as mãos livres e, assim, poder mexer nos discos (há, inclusive, fotos das marcas de dentes que deixou no móvel). O futuro produtor estudou órgão durante três anos, mas em suas primeiras bandas tocou guitarra, passando em seguida para o contrabaixo e teclados. A cena paulistana dos anos 1990 era composta de muitas bandas de punk e hardcore e foram de grupos dos dois gêneros os primeiros registros que ele fez no El Rocha. Anos depois, o produtor Apollo 9, o levou a trabalhar com Otto. DJ do grupo, Zé Gonzales o chamou para colaborar com o Planet Hemp, que o levou para o Japão na turnê de A Invasão Do Sagaz Homem Fumaça. Foi também Gonzales quem apresentou Ganja a Sabotage e ambos produziram Rap É Compromisso, único álbum lançado em vida pelo artista.
Ao lado de Rica Amabis e Tejo Damasceno, Ganja é integrante do Coletivo Instituto que, além de compor repertório próprio, assina trilhas de cinema. Na qualidade de administrador da Seleta Coletiva (festa que inaugurou o Studio SP em 2006, no bairro da Vila Madalena, e marcou seu fechamento em 2013, na Rua Augusta), testemunhou o nascimento da atual cena paulistana. A casa abrigou as primeiras apresentações de nomes como Marcelo Jeneci, Tulipa, Thiago Pethit, Tiê, Dudu Tsuda, Mallu Magalhães, Cérebro Eletrônico, os cariocas Do Amor e Nina Becker.
Para Ganja, essa movimentação não era vista em São Paulo desde os anos 1980, e a chamada Vanguarda Paulista. Segundo ele, a década de 1990 foi marcada por extremos, em termos de espaços para acolher novos músicos – ou eram as bibocas minúsculas ou havia o luxo inatingível de casas como o Palace e o Credicard Hall.
Ele também defende que a popularização do acesso a internet passou a disseminar culturas regionais, e contribuiu para a vinda a São Paulo de, entre outros, os pernambucanos do Eddie e os cearenses do Cidadão Instigado. O produtor lembra que a casa Espaço Urbano, como o Studio SP, pode ser considerada um marco para esta nova cena, pois mostrou a viabilidade de espaços médios. O Urbano atraiu também novos artistas do rap, que defendiam um som menos sectário, menos de gueto – Sabotage foi o elo perdido, pois circulava em todas as rodas, mas morreu enquanto fazia a pré-produção para o segundo disco.
Nesta nova cena, surgida nos anos 2000, a disciplina e a organização dos tempos de Arrigo e de Itamar foram finalmente reconquistadas. E disciplina e organização são com o Ganja. Para os trabalhos do Instituto, Rica e Tejo mantêm uma sala no estúdio do selo YB. É lá que cuidam de trilhas sonoras para cinema e televisão. Ganja está mais envolvido com apresentações ao vivo, direção de bandas, shows e, nos discos do Instituo, com a parte mais autoral. Na sua família, as divisões são parecidas. Ganja é o swing, Fernando, que ocupou o cargo de engenheiro de som no lugar do irmão no El Rocha, é o roqueiro, tocou guitarra com o Hateen e o CPM22 e hoje excursiona pelo mundo com a banda O Inimigo. Maurício, o caçula, multi-instrumentista, é ligado em experimentalismos, em seu trabalho solo M. Takara, e também como baterista do Hurtmold e do São Paulo Underground.
Quanto ao fenômeno Criolo, Ganja confessa que o que valeu mesmo foi a experiência, que se acumula e se renova a cada dia. Conhecia o rapper, quando ele ainda assinava Criolo Doido, de shows e disco apenas. No final da década passada, ao encurtar o nome para Criolo, o MC passou a apresentar seu novo repertório na Matilha Cultural, galeria de street art no centro de São Paulo. O dono, Ricardo Costa, se entusiasmou e chamou um amigo, o baixista e produtor Marcelo Cabral para colaborar na produção de um novo disco de Criolo. Cabral, por sua vez, convidou Ganja para o projeto. Ele havia acabado de co-produzir, com Zé Gonzales, campanha da Nike para a Copa de 2010 envolvendo Mano Brown e Jorge Bem Jor, que cantaram Ponta De Lança Africano (Umbabarauma), de Jorge. Foi quando Ganja viu de perto como trabalhava uma grande agência, valendo-se de Twitter, Facebook e uma ampla rede de contatos pessoais. Ao lançar o primeiro single de Nó na Orelha, com Grajauex e Subirusdoistiozin, valeram-se dos mesmos artifícios logo de cara, houve 200 mil downloads. Ganja e Cabral perceberam na hora que o homem ia estourar. Foi aí que entraram as lições da experiência com o Planet Hemp, uma banda de massa, com logística e repertório para tocar em estádios. Estratégias que são repetidas, agora, com o lançamento do primeiro compacto do segundo disco de Criolo, com as músicas Duas De Cinco, nas versões cantada e instrumental no lado A, e Cóccix-encia, apenas cantada no Lado B.
Ganja não é de se lamentar. Mas ficou aborrecido com o fato do DVD em tributo a Bezerra da Silva, que produziu e fez a direção musical, ter passado despercebido. Tinha Dicró, Barão, Max De Castro, Beth Carvalho, Otto, D2, Elsa Soares, Nação Zumbi, Kamal, e por aí vai. Apesar de se entusiasmar com a atual geração, à qual inclui nomes como Metá Metá e Filipe Catto, ele acha que os artistas da cena independente se acomodaram em viver de subsídios tipo Proac, Lei Rouanet, shows do Sesc, e não tiveram a preocupação de gerar uma coisa que fosse sustentável. Para Daniel, quem não se adaptar aos novos tempos, como é caso de sua mulher, Biba Berjeaut, que trabalha com Criolo, Helô Aidar, Tulipa, Fióti e Emicida, vai perceber que o momento tão criativo e comentado não passou de uma bolha.
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