Uma pesada porta de um antigo depósito de bombas se abre para uma estrutura metálica circular criada pelo artista dinamarquês Olafur Eliasson. Seguindo pelo corredor de paredes com 2 m de largura, a instalação do argentino Tomás Saraceno – um emaranhado de linhas e estruturas suspensos no espaço deste que, por fora, é um gigantesco bloco de concreto de arquitetura nazista. A maior escultura da exposição, Tree, do chinês Ai Weiwei, une pedaços de diferentes árvores mortas “costuradas” por meio de uma técnica chinesa milenar. O mestre da fotografia contemporânea, Wolfgang Tillmans instalou suas imagens como lhe convinha, espalhadas entre quatro dos seis andares que resistiram da construção original de 1942.
Construído sob a direção de Albert Speer, o arquiteto-chefe de Hitler, o Bunker foi desenhado para proteger mais de dois mil passageiros de trem contra bombas aéreas e também como armazenamento bélico. Hoje, é utilizado como abrigo para a maior coleção privada de arte contemporânea da Alemanha. Aberta ao público em 2008, a Sammlung Boros Collection atrai visitantes do mundo inteiro para uma imersão guiada no extenso acervo do casal de colecionadores alemães Christian e Karen Boros.
A primeira exposição da coleção Boros ficou quatro anos em cartaz e recebeu 1.200 visitantes em 7.500 visitas guiadas. Há um ano, foi inaugurada a exposição Sammlung Boros II, com uma seleção de 130 obras oriundas de um acervo que conta com mais de 700 produções. O casal Boros delimita sua teia expositiva a partir de dois pilares: serão somente expostas produções de 1990 – um ano após a queda do Muro de Berlim – em diante; e as obras devem ter sido concebidas na cidade de Berlim. “Os trabalhos pertencem à cidade”, conta Christian Boros. O colecionador dá aos artistas total liberdade e, inclusive, a chave do espaço para a instalação das obras dias antes da abertura.
Entre os 23 nomes que ocupam o espaço hoje, estão os já consagrados Ai Weiwei, Olafur Eliasson, Thomas Ruff, Michael Sailstorfer, Tomás Saraceno, Wolfgang Tillmans e Thomas Zipp. E alguns recentemente adquiridos, como Florian Meisenberg, Roman Ondák, Alicja Kwade e Klara Lidén.
A maioria dos trabalhos exibidos no Bunker, hoje, tem em comum um diálogo conceitual com o mundo em que vivemos, a memória, a produção em massa e o próprio consumo de arte. Como relembra Popcorn Machine, de Michael Sailstorfer, que produzirá pipocas continuamente até que se coloque um fim à exposição. Ou Labirinto do Som, da polonesa Alicja Kwade, que instalou uma série de alto-falantes conectados a fontes de luz e relógios, que medem e amplificam o som da luz. Ou ainda o macabro The Teenage Room, da sueca Klara Linden, em que uma barulhenta porta se fecha atrás do visitante e nos lembra de que estamos em uma prisão. O sofrimento, a humilhação que marca a nossa vida está de alguma forma sugerida naquele cubículo com uma única e pequena saída.
Cela das artes
Em 1945, com o fim da Segunda Guerra e a divisão da Alemanha, o Bunker ficou do lado então comunista. Foi ocupado pelo Exército Vermelho Soviético e transformado em prisão política. Em 1957, ainda sob comando soviético, serviu como depósito de frutas tropicais vindas de Cuba e passou a ser conhecido como “Bunker da Banana”.
Somente em 1990, com a Alemanha Unificada, o Bunker tornou-se propriedade do governo federal que, devido a suas rígidas estruturas, não tinha como demoli-lo. Em 1992, quando o underground berlinense começava a explodir dos escombros da cidade em transição, nasceu ali “O Bunker”, clube de música tecno com a reputação de ser o mais hardcore do mundo na época. Festas intermináveis em uma atmosfera absolutamente permissiva marcaram a casa frequentada pelo fotógrafo alemão Tillmans, que doou aos Boros uma fotografia para a fachada do bunker enquanto clube.
Em 1995, as autoridades fecharam o local por questões de segurança. Em 2003, Christian Boros, que fez fortunas com a sua agência de publicidade, resolveu investir e transformar aquele símbolo histórico de Berlim em seu depósito de arte. Depois de quatro anos de reformas, o antigo bunker finalmente ficou pronto, sem, no entanto, perder seu desenho original. Marcas de outras épocas foram deixadas, como sinais da história – desenhos nas paredes das noites infindáveis ou símbolos nazistas de seus primórdios.
“Pobre, mas sexy”, como diz o seu slogan, Berlim é vibrante e tem uma cena artística pulsante. Talvez por não ter ainda um mercado de arte tão saturado como em outros grandes centros, a vida ainda é mais tranquila, barata e sedutora para artistas do mundo inteiro. A Boros Collection se destaca no cenário, sendo uma coleção de alto porte mundial, embora seu foco ainda seja a produção local.
O colecionador revela que seu desejo era de construir um acervo para seu passatempo favorito, mas também criar a possibilidade de essa coleção respirar. “Arte é feita para ser vista. Não deveria ser permitido sumir com obras de arte em caixas e armários, elas sempre deveriam estar abertas para serem vistas por quem quiser. O ato de colecionar, ou que te faz um colecionador, traz consigo certas responsabilidades com o artista e com o mundo”, diz Boros, que construiu sua casa de vidro em cima do grande cubo de concreto, como se ele fosse mesmo o seu porão, aberto ao público. Para criar um espaço híbrido, um arquivo pessoal apreciado como museu, o casal optou por não colocar nomes ou qualquer informação nas obras, e só são permitidas visitas guiadas de uma hora e meia, em que o contexto é falado como na sala de casa.
A exposição atual não tem data para acabar e o agendamento deve ser feito com, pelo menos, um mês de antecedência pelo site www.sammlung-boros.de
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